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domingo, 1 de outubro de 2017

NOITES AZUIS - Adriana Falcão

Noites Azuis


Entre os mil tipos de noite que existem, escondidas no meio das outras, dormem as Azuis, as Brancas e as Desgraçadas.
De vez em quando, uma delas acorda para dar plantão. A gente identifica logo.

Nas Noites Azuis, as crianças sonham com os anjos. 
As mulheres sonham com beijos. 
Os homens sonham com feitos. 
As dores roncam profundamente. 
As gentilezas saem por aí a passeio, os crimes tiram uma noite de folga e o amor sofre uma terrível insônia. 
Os casais acordados sussurram baixinho. (Se alguém despertar, eles não estarão mais sozinhos).

No entanto, os sonhos acordados falam mais alto, ansiosos para ser logo promovidos a fatos. 
Os namorados namoram, namoram e namoram, pois quem vai fazer a besteira de não aproveitar uma noite azul para esse tipo de coisa?
As partes tentam se colar uma na outra. 
O escuro vira cúmplice. 
Cada olhar cumpre sua cota. 
A lua ajuda no que pode. 
As estrelas se empenham especialmente. 
Os vaga-lumes executam seu trabalho. 
A brisa e o calor se alternam no ritmo dos suspiros. 
As mãos também fazem cada qual sua parte.

Nas noites azuis, o preto, o marrom, o roxo, o cinza e todas as outras cores descansam, exceto o dourado.
Os velhos sentem vontade de dar pulos.
Os adultos têm ataques súbitos de doidice.
Os adolescentes se tornam as vítimas preferidas dos acasos. É como se tudo fosse festa.
A bebida desce bem, nas noites azuis. Depois sobe, pra cabeça, e então a gente pode cometer o que quiser, inclusive insanidades.
Tomara que não amanheça! Tomara que não amanheça!
Tomara que não amanheça! 
Tomara!


Nas Noites Brancas os sonhos de quem dorme sente falta das ideias melhores e aí vai qualquer uma mesmo: Escola, ônibus, engarrafamento, Caneta, carteira, trabalho, Até documento serve.
A chatice às vezes dá para chatear as dores e elas não dormem direito. Doem acordadas. O resto todo fica quieto. Até mesmo os namorados.

As alegrias cochilam de vez em quando.
O escuro não se mete.
A lua fica muito preguiçosa.
As estrelas discutem entre elas.
Os vaga-lumes passam em branco.
A brisa não sopra. O calor não esquenta.
As mãos permanecem cruzadas.
As cores todas se misturam na roleta da noite e então desaparecem.
Os velhos balançam nas cadeiras. Os adultos fazem contas.
Os adolescentes se trancam nos quartos porque as festas foram todas devidamente canceladas. São sóbrias, as noites brancas.
Devido à falta de surpresas, o amanhecer não atrapalha.


Nas Noites Desgraçadas, os pesadelos se intrometem entre um respirar e outro, abreviando os outros espaços.

Em compensação, os ponteiros dos relógios tropeçam, empacam, se arrastam, e não aceitam ordens nem pedidos.
Os namorados estão cansados, ou desanimados, ou raivosos, ou sozinhos.
Em todos os casos não se beijam. Preferem fazer uso das bocas para pronunciar palavras, uma após a outra, formando frases enormes. Infelizmente não se entendem.
No meio da gritaria, as dores acordam irritadas. O escuro ameaça.
A lua não dá as caras. As estrelas fecham os olhos.
Os vaga-lumes andam sumidos. A brisa se enfurece em desaforos.
O calor sente falta de casaco. As mãos deixam escorrer qualquer oportunidade.

Noites assim quase sempre não têm cores. Nem música. Nem dança. A bebida não faz bem. Faz mal ao fígado.
Os velhos morrem de saudades de antes. 
Os adultos se irritam facilmente. 
Os adolescentes envelhecem anos.

Não há o que festejar  em noites desgraçadas, a não ser o amanhecer, quando ele chega. 
Mas é só o sol arrebentar a teimosia das horas e todo mundo comemora: Graças!

Adriana Falcão

Enviado por: "Gotas de Crystal" <gotasdecrystal@gmail.com>

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