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(Ilhéus, 1925 – a moralista)
De férias
em Ilhéus Eurico e Emílio, filhos de dona Julieta, e eu, filho de dona Eulália
– Emílio festejara treze anos, Eurico e eu ainda não – enchemo-nos de coragem, adentramos
o puteiro de Antonia Machadão (em Gabriela mudei-lhe o prenome para Maria), o
mais renomado da zona cacaueira. Além de nacionais vindas da Bahia, de Aracaju,
do Rio, nele exerciam uma francesa e uma polaca, profissionais civilizadas, as
gringas faziam de um tudo.
Alvoroça-se o mulherio ao ver os
filhos-de-família, infantes decerto cabaçudos, somos cercados, abraçados,
beijados, riem, debocham, oferecem-se para a festa do desvirginamento. Emílio
tenta bancar o veterano Eurico emudece, encabulado, a polaca senta-se em meu
colo. A algazarra traz Antonia Machadão à sala, foi o dia do juízo final.
Conhecida
e estimada por todos na cidade apesar do comércio que explorava com proveito,
Antônia tivera duas filhas de xodós diferentes, adotadas uma e outra por
famílias ilheenses, dava-se com as senhoras da sociedade, as esposas dos
fregueses do castelo, nenhuma lhe negava o cumprimento. Com minha mãe batia
longos papos quando habitávamos na Rua do Unhão, não longe da pensão alegre. Ao
lado de Lalu, sentadas as duas no batente da porta, comentavam a chuva e o bom
tempo, a previsão da safra e o preço do cacau. Na região Grapiúna onde ainda se
morria e se matava pela posse da terra, as distinções sociais não ditavam os
costumes.
Ao nos ver
nos braços das raparigas, em vias de escolher parceira, ir para a vida na cama,
Antônia Machadão virou fera.
- Fora,
fora daqui, seus moleques descarados, fora agora mesmo que haveriam de dizer
dona Julieta e dona Eulália se soubessem que permiti que seus meninos
frequentem casa de mulher-dama. Fora daqui!
Expulsos,
humilhados, o galanteio das putas se transforma em vaia, saímos rua a fora rabo
entre as pernas: Antônia Machadão, caftina, zelava pela moral na cidade de
Ilhéus.
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado.
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL,
eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo
Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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