Total de visualizações de página

sábado, 22 de abril de 2017

CONFISSÕES DE UM PSICOPATA APAIXONADO – Ivan Martins

Me conte o que você faria para que o amor da sua vida voltasse


A amiga me contou, em tom dramático, que pegou uma coqueluche tão forte que achou que morreria. Foram semanas tossindo sem parar, com dores e mal-estar terríveis. A coisa foi tão grave, ela disse, que o ex-marido, de quem estava separada havia mais de um ano, voltou para cuidar dela. Depois que a doença passou, reconciliados, eles resolveram tentar de novo.

“Como se faz para contrair coqueluche?” eu perguntei, afoito e esperançoso, assim que ela terminou de contar. Na hora, me pareceu uma boa ideia. Depois, calculei que tossiria sozinho, ou na companhia de um amigo que roncaria como urso na poltrona e discutiria comigo se era mesmo preciso que ele fumasse fora do quarto.

Vocês estão rindo, mas conheço gente que faria qualquer coisa para atrair de volta o ex-marido ou a ex-mulher extraviados.

Entre os homens, ataque cardíaco é um clássico. Estive no hospital há duas semanas com dores no peito, mas os médicos me dispensaram como se eu fosse um velocista olímpico. “Rivotril”, receitou o jovem plantonista lacônico, me olhando com cara de enfado, profundamente desinteressado da minha complexa situação existencial.

Eu vinha sonhando havia dias com um post no Facebook dizendo assim: “Foi só infarto. Os médicos dizem que está tudo bem”. O comentário seria acompanhado por um selfie na cama do hospital, com aquele sorriso abatido, mas cheio de coragem. Se ela não voltasse correndo, seria um monstro.

Mulheres – eu já tive a chance de testemunhar – preferem o colapso emocional. As amigas vão ligar para o sujeito e informar: “Fulana está péssima. Se você gosta um pouquinho dela, melhor vê-la”. O cara vai, se sentindo culpadíssimo, e encontra uma ex que parece ter saído de uma colônia de férias do Estado Islâmico. Magra, pálida, distante. Ele tenta segurar as mãos dela, mas ela as retira, assustada, como se ele fosse o bastardo malvado de Game of Thrones. Se o sujeito não tiver coração de pedra, ficará e cuidará dela, talvez por dez anos.

Depois de ver o sofrimento humano de perto (o meu, sobretudo) parei de julgar os manipuladores de sentimentos alheios. Eles são apenas psicopatas apaixonados. O resto de nós se preocupa com ética, integridade, verdade. Queremos ser amados espontaneamente. Temos escrúpulos, princípios, limites. Eles só querem a fulana ou o sicrano de volta na cama deles, ponto final. Outras considerações são secundárias.

Tenho certeza de que no longo prazo as chantagens e os truques não funcionam, mas alguém já observou corretamente que no longo prazo estaremos todos mortos. Logo, por que não tentar ser amado a qualquer preço?

Uma vez, conversei com um amigo cuja ex-mulher insistia em se manter longe da casa e da vida dele. O cara estava desesperado. Saímos para beber e ele me contou, animadíssimo, que acabara de saber que a ex tinha engordado 10 quilos. "Por que você está feliz com isso?", eu perguntei. “Porque ela vai ficar feia, ninguém mais vai querê-la e ela vai voltar para mim”, ele respondeu, com um sorriso lunático no rosto. Algum tempo depois, ela voltou.

Lembrei dessa história nas últimas insônias, mas com mínimas esperanças. Uma mulher que corre, faz ioga, pratica musculação e come como um coelho vegano não vai ganhar 10 quilos. Nem cinco. A possibilidade de que ela fique feia nos próximos anos equivale à de que eu fique mais jovem. Não vai acontecer nesta encarnação.

Não adianta dizer isso aos amigos, claro. Todos têm uma ideia infalível para trazer de volta o amor da vida dos outros. “Esqueça as palavras, você precisa criar situações emocionais incontornáveis”, diz um deles. Exemplo? “Compre para ela uma banca inteira de pimenta da feira. As mulheres são loucas por pimenta.” OK, próxima. “Prometa o que ela quiser, ofereça o que ela mais desejar, depois as coisas se arranjam”, diz outro. Se bem me lembro, foi assim que começaram os caras presos pela Lava Jato em Curitiba. “Você já fez reservas para Paris”? perguntou uma amiga. “Chegue com as passagens na mão e ela não vai resistir.” Problema: se ela cair por um clichê desses eu não vou querê-la de volta.

Essas ideias rocambolescas reforçam minha convicção de que em caso de abandono não há nada a fazer além de respirar, esperar e torcer. Aqueles anúncios do poste que prometem trazer seu amor de volta não funcionam. Eu sei. Tentei três deles e eles não devolvem o dinheiro.
As coisas no terreno afetivo se resolvem com simplicidade, ou não se resolvem. Se a moça gostar de você, virá naturalmente. Se o sujeito ainda ama você, ele voltará de livre e espontânea vontade – e isso exclui seu amigo delegado ligar para ele ameaçando prendê-lo.

Gente que sofre vive sob a tentação de um gesto heroico, capaz de atordoar e seduzir o outro, mas é bobagem. Passado o efeito dos fogos de artifício – ou das garrafas de vinho no restaurante mais caro da cidade, cujos efeitos ficarão no seu cartão de crédito para sempre – os sentimentos voltarão ao normal, e você terá a seu lado uma pessoa entediada. Ou ressentida, porque deixou-se iludir.

Eu sei que todo mundo conta uma exceção notável a essa regra. Há sempre uma história de jantar, presente, viagem ou gesto inesperado que reverteu os sentimentos do outro e fez tudo mudar, mas eu simplesmente não acredito nelas. Quando a gente olha de perto, percebe que não foi bem assim. A pessoa voltou por um mês – ou ficou para sempre porque nunca havia saído. Quem realmente vai voltar dispensa os malabarismos. Quem partiu de coração torna-se imune a pirotecnias. Sobretudo as mulheres. 

Na vida real, é importante abrir seu coração, falar do seu amor com todas as letras e deixar que o outro decida por si mesmo. Fazer com que ele ou ela ria da situação ajuda. Lágrimas sinceras também, sobretudo no rosto dos homens. É uma pena que muitos de nós não saibam chorar.




IVAN MARTINS
Colunista de ÉPOCA
Autor do livro Alguém especial, escreve em epoca.com.br às quartas-feiras


* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário