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terça-feira, 25 de outubro de 2016

HABEAS PINHO – Ronaldo Cunha Lima

Ronaldo Cunha Lima

Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando a polícia chegou e apreendeu o violão.
Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.
Esse petitório ficou conhecido como “Habeas Pinho” e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste.
Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito deputado estadual, prefeito de Campina Grande (cassado pela Revolução), senador da República, governador do Estado e deputado federal.
Vejamos a famosa petição:

 Habeas Pinho

“Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:


O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade.
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos,
nós pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.”

O juiz Artur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:


“Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.


Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.


Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.


Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.”

Ronaldo Cunha Lima
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