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sexta-feira, 2 de julho de 2021

DE CIMA PARA BAIXO – Artur Azevedo

 


De Cima Para Baixo

Artur Azevedo

 

          Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da secretaria.

          Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de sua excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.

          - Estou furioso! – exclamou o conselheiro. – Por sua causa passei por uma vergonha diante de sua majestade o imperador!

          - Por minha causa? – perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo no peito.

          - O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!

          - Que me está dizendo, excelentíssimo...?

          E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:

          É verdade! Passou-me! Não sei como isso foi...!

          - É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção aos autos que têm de ser submetidos à assinatura de sua majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o meu oficial de gabinete!

          E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:

          - Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial; ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de sua majestade, que dei a minha demissão!...

          - Oh!...

          - Sua majestade não a aceitou...

          - Naturalmente; fez sua majestade muito bem.

          - Não aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.

          - Peço mil perdões a vossa excelência – protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. – O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a vossa excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza.

          O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:

          - Bom! Mande reformar essa porcaria!

 

          O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe de 3ª seção que que o encontrou fulo de cólera.

          - Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do senhor ministro!

          - Por minha causa?

          - O senhor mandou-me na pasta um decreto sem nome do funcionário nomeado!

          -  E atirou-lhe o papel, que caiu no chão.

          O chefe da 3ª seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou:

          - Queira vossa senhoria desculpar, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e todo tão urgente!...

          - O Sr.  Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!

          - Não era o casa para tanto...

           - Não era caso para tanto? Pois olhe, sua excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isso na pasta!

          - Eu... Vossa senhoria...

          Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento.

          - Eu... vossa senhoria.

          Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!

 

          O chefe da 3ª seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa um amanuense que tão mal copiara o decreto:

          - Estou furioso, Sr. Godinho por sua causa passei uma vergonha diante do Sr. Diretor Geral!

          - Por minha causa?

          - O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível!  Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado! E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.

          - Eu devia propor a sua suspensão por quinze dias ou um mês: limito-me a repreende-lo na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o Sr. Diretor-geral não me tratasse com tanto respeito e consideração!

          O expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...

          - Ainda o confessa!

          - Fiei-me em que o senhor chefe passasse os olhos...

          - Cale-se!...  Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...

          - Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe essa falta...

          - Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...

          O amanuense obedeceu.

          Acabado o serviço, tocou a campainha.

          Apareceu um contínuo.

          - Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe de seção!

          - Por minha causa?

          - Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o caderno de papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa que comi o nome do nomeado!

          _ Foi porque...

          - Não se desculpe: você é um contínuo muito relaxado!

          Se o chefe não me considerasse tanto, eu estava suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se!

          - Mas...

          Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz: eu poderia queixar-me de você...

 

          O contínuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da secretaria.

          - Estou furioso! Por tua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas!

          - Por minha causa?

          - Sim; quando te mandei ontem buscar na portaria aquele caderno de papel imperial, por que te demoraste tanto?

          Porque...

          - Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes?  Porque no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro, estás no olho da rua! Serventes não faltam!...

          O preto não redarguiu.

          O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois de jantar, sem vontade, no frege-moscas, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremendo pontapé no seu cão.

          O mísero animal que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés.

          O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe de seção, pelo diretor-geral e pelo ministro.

         

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Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo), jornalista e teatrólogo, nasceu em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de outubro de 1908. Figurou, ao lado do irmão Aluísio Azevedo, no grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, onde criou a cadeira nº 29, que tem como patrono Martins Pena.     

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quinta-feira, 1 de julho de 2021

BOCCACCIO - Marco Lucchesi



Boccaccio

Marco Lucchesi


Não falemos do Brasil. Falta oxigênio moral e político. Caminhamos entre as ruínas da pandemia, provocadas pela necropolítica. Penso nas novelas do grande leitor de Dante.

Decamerão de Boccaccio é capítulo essencial da História do Ocidente. E me refiro ao núcleo do Humanismo, aos prelúdios do Renascimento. Trata-se da reconquista da prosa, a narrativa do mundo e sua translação, em torno da palavra. Um gesto que ilumina parte de nossa herança: as formas simbólicas, o lugar da cultura e da ciência. Em outras palavras: o poder soberano da literatura. Um mundo novo, a divina mímesis, como disse Pier Paolo Pasolini.

Prosa aberta e onidirecional. Eis o dinamismo da obra de Boccaccio: cresce na frase o batimento cardíaco, a métrica estendida, a solidariedade narrativa, que ordena e distribui, dissolve e coagula, a experiência da sintaxe, enquanto paisagem verbal, como tessitura robusta e delicada.

A prosa doma o silêncio, empresta-lhe novo destino. O volume de silêncio nasce do contexto que o circunscreve. Irrompe como contracanto, na ironia, no contexto, de quanto se insinua, a arte de dizer o que não se diz, nos vários níveis do discurso.  Boccaccio – com um sorriso nos lábios, entre simpatia e compaixão – tece e destece a ambiguidade, as dobras do coração e da palavra, em diálogo ou solilóquio.  

Prosa de Boccaccio avança por terra e mar: como nunca dantes. Nostalgia do mais. Saudade do infinito. Novelas que movem o sol e as estrelas. O Céu agora passa para a Terra. A fome da totalidade é seu motor primeiro. A humana condição já não tem fim. Boccaccio aposta na inscrição do mundo, nas demandas semânticas, novas e ousadas. Parte da nomeação do universo inflacionário. Diríamos hoje, em chave metafórica, o desvio para o vermelho, a fuga das galáxias.

O Decamerão é fruto da polifonia. Intensa e bela, de que descendem Shakespeare, Balzac e Dostoievski. A potência da linguagem opera agora em seus limites: roça a pele vibrátil do mundo, alterno e vasto, poroso e descontínuo. E desafia sem piedade os inquilinos do tempo.

Boccaccio compara seu trabalho ao do pintor, na escolha e na fabricação dos pigmentos, na gradação da cor e no relativo campo de visão. A obra de arte adquire estatuto próprio, um fim em si mesmo, esse caráter autotélico da arte, consagrado nos tempos modernos.

Não se deve, contudo, perder de vista algo iluminador:  Boccaccio é o grande poeta que escreve em prosa. A força da poesia inaugura novas formas de apropriação, intensidade e sinergia da matéria narrada. Suas novelas guardam um frescor incomparável,  juventude que não passa, condensado de beleza e variação: nas cenas de erotismo ou misticismo, na burla impiedosa, na tristeza mais sublime, ou na vitória, afinal, da inteligência frente ao destino, antecipando algo da virtude e da fortuna, em Maquiavel.

A poesia de Boccaccio, ele mesmo artífice de águas claras, amigo epistolar de Petrarca, e leitor entusiasmado de Dante, apresenta suas melhores credenciais.

A primeira prosa dos tempos modernos respira a poesia secreta do mundo, que ele tanto amou, quando se dispôs a inscrevê-la num âmbito indelével: no eterno presente da leitura. É uma forma de saber que os brasileiros estamos vivos. Os sobreviventes. Até agora.

Jornal de Letras, Artes e Ideias (Lisboa), 01/06/2021

 

https://www.academia.org.br/artigos/boccaccio

 

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Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018.

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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

JOÃO DA CRUZ E SOUSA, O maior simbolista brasileiro



            JOÃO DA CRUZ E SOUSA (Florianópolis, 1861 – 1898) era negro, filho de escravos. Sua vida, sulcada de lutas e sofrimentos, foi um penoso esforço de ascensão. Orgulhoso e indômito, busca na arte o meio de superar as barreiras levantadas pela sua origem.

            Em 1890 fixa-se no Rio de Janeiro, onde se une ao grupo de poetas simbolistas, publica um livro de versos e colabora na imprensa. Vive de um modesto emprego na Estrada de Ferro Central do Brasil. Casa-se em 1893 e seu lar é entristecido pela loucura da esposa. O poeta, minado pela tuberculose, morre alguns anos depois, em Minas, longe de seus filhos.

            Cruz e Sousa, o Cisne Negro, é a figura central do simbolismo brasileiro. Impugnado pelos contemporâneos, teve a glorificação dos pósteros. Traduziu em versos frementes toda a angústia e revolta de sua alma sofredora, opressa pelo estigma da raça.

          São os seguintes os livros em verso do poeta negro: Broquéis (1893), Faróis (1900), Últimos Sonetos (1907) e O Livro Derradeiro (1961.

            Em prosa escreveu Tropos de Fantasias,  Missal, Evocações.
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ACROBATA DA DOR

Gargalha, ri, um riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gravoche, salta, clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! Retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d ‘aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.


CRUZ E SOUSA – A LITERATURA BRASILEIRA ATRAVÉS DOS TEXTOS, de Massaud Moisés, Ed. Cultrix, São Paulo, 1979. Pag. 300



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domingo, 30 de setembro de 2018

RAMO DE ESPERANÇA – Raul Pompeia


Ramo de esperança


            - Um deles ergue-se, olha para o mar – Terra?

            - Não, não. Apenas o gume afiado e limpo do horizonte e o claro céu depois. Os náufragos recaíram na morna prostração do desânimo.

            Três dias eram passados já que o incêndio e o Oceano lhes haviam devorado o navio e os companheiros. Só eles restavam. Eles e o pequeno batel que os levava. O batel e o largo mar imenso.

            Em roda, o sol quente e o medonho silêncio solene da calmaria morta. À vista, nem um pano branco! Nem a fumaça do continente além!

            Guiavam-nos os cansados remos e a aventura: não havia mais pão, a água ia faltar.

            O quarto dia despontou brumoso.

            Ah! Que o digam os marinheiros: o nevoeiro é triste como os sudários alvos. O nevoeiro amortalha a coragem.

            Perdidos!... Mas alguma cousa avizinha-se sobrenadando. Todos olham.

            Um braço mergulha sôfrego e levanta vitorioso ao ar um ramo verde...

            Verde como a esperança!

            Salvos!

            Ali, ali mesmo, na bruma, adivinha-se a terra firme, com as palmeiras verdes da  Pátria!


Fonte: Gramática F. T. D.
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Biografia:

Raul de Ávila Pompeia nasceu em Jacuecanga, Angra dos Reis, RJ, em 12 de abril de 1863, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de dezembro de 1895. É o patrono da cadeira n. 33 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Domício da Gama.

Era filho de Antônio de Ávila Pompeia, homem de recursos e advogado, e de Rosa Teixeira Pompeia, que pertencia à família de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Transferiu-se cedo, com a família, para a Corte e foi internado no Colégio Abílio, dirigido pelo educador Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas – mesmo que, em Salvador, educara Castro Alves e Rui Barbosa - estabelecimento de ensino que adquirira grande nomeada. Passando do ambiente familiar austero e fechado para a vida no internato, recebeu Raul Pompeia um choque profundo no contato com estranhos. Logo se distingue como aluno aplicado, com o gosto dos estudos e leituras, bom desenhista e caricaturista, que redigia e ilustrava do próprio punho o jornalzinho O Archote. Em 1879, transferiu-se para o Colégio Pedro II, para fazer os preparatórios, e onde se projetou como orador e publicou o seu primeiro livro, Uma tragédia no Amazonas (1880).

Em 1881 começou o curso de Direito em São Paulo, entrando em contato com o ambiente literário e as ideias reformistas da época. Engajou-se nas campanhas abolicionista e republicana, tanto nas atividades acadêmicas como na imprensa. Tornou-se amigo de Luís Gama, o famoso abolicionista, tornando-se seu secretário. Escreveu em jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, frequentemente sob o pseudônimo Rapp, um dentre os muitos que depois adotaria. Ainda em São Paulo publicou, no Jornal do Comércio, as Canções sem metro, poemas em prosa, parte das quais foi reunida em volume, de edição póstuma. Também publicou, em folhetins da Gazeta de Notícias, a novela antimonárquica As joias da Coroa.

Reprovado no 3º ano, em 1883, seguiu com 93 acadêmicos para o Recife e ali concluiu o curso de Direito, mas não exerceu a advocacia. De volta ao Rio de Janeiro em 1885, dedicou-se ao jornalismo, escrevendo crônicas, folhetins, artigos, contos e participando da vida boêmia das rodas intelectuais. Nos momentos de folga, escreveu O Ateneu, “crônica de saudades”, romance de cunho autobiográfico, narrado em primeira pessoa, contando o drama de um menino que, arrancado ao lar, é colocado num internato da época. Publicou-o em 1888, primeiro em folhetins, na Gazeta de Notícias, e, logo a seguir, em livro, que o consagra definitivamente como escritor.

Decretada a Abolição, em que se empenhara, passou a dedicar-se à campanha favorável à implantação da República. Em 1889, colaborou em A Rua, de Pardal Mallet, e no Jornal do Comércio. Proclamada a República, foi nomeado professor de mitologia da Escola de Belas Artes e, logo a seguir, diretor da Biblioteca Nacional. No jornalismo, revelou-se um florianista exaltado, grande jacobino que era, em oposição a intelectuais do seu grupo, como Pardal Mallet e Olavo Bilac. Numa das discussões, surgiu um duelo entre Bilac e Pompeia. Combatia o cosmopolitismo, achando que o militarismo, encarnado por Floriano Peixoto, constituía a defesa da pátria em perigo. Referindo-se à luta entre portugueses e ingleses, desenhou uma de suas melhores charges: “O Brasil crucificado entre dois ladrões”. Com a morte de Floriano, em 1895, foi demitido da direção da Biblioteca Nacional, acusado de desacatar a pessoa do então Presidente da República, Prudente de Morais no explosivo discurso pronunciado em seu enterro.
Rompido com amigos, caluniado em artigo de Luís Murat, sentindo-se desdenhado por toda parte, inclusive dentro do jornal A Notícia, que não publicara o segundo artigo de sua colaboração - aliás, tratava-se de um simples atraso - pôs fim à vida, com um tiro no coração, no dia de Natal de 1895.

A posição de Raul Pompeia, ficcionista de alturas geniais, na literatura brasileira é controvertida. A princípio a crítica o julgou pertencente ao Naturalismo, mas as qualidades artísticas presentes em sua obra fazem-no aproximar-se do Simbolismo, ficando a sua arte como a expressão típica, na literatura brasileira, do estilo impressionista.


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domingo, 25 de março de 2018

A VULGARIZAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA - por Alexandre Coslei


No mundo atual, onde a nova ordem é o consumo, os editores se comportam como gerentes de contas e forçam a literatura a deixar de ser arte para se transformar numa grande feira. Os livros não são vendidos a preço de banana, mas passam a ser expostos como produtos vulgares, com capas atraentes aos olhos, mas de conteúdo duvidoso. Nem autores clássicos, como Machado de Assis, escapam à sanha do lucro e recebem "traduções" suspeitas na intenção de se tornarem populares. Ou seja, o mercado editorial subestima seus leitores e nivela a cultura por baixo.

Recentemente discutiu-se tanto a popularização dos textos de Machado de Assis que quase alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a obra de Machado objetivando a imposição de um vocabulário simplório, que esteja ao alcance do público menos letrado, é somente um reflexo de uma literatura contemporânea açoitada pelas mãos de editoras que escolheram transformar a arte em cifras lucrativas. Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje publicam o que vende, e não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E qual a literatura que demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os livros sobre vampiros brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e demônios, violência sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas de páginas descrevendo litorais e personagens sem sal.

O que surpreende é a complacência cúmplice de muitos críticos com a subliteratura e uma raiva revanchista contra quem imagina poder atualizar um clássico literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional do Brasil abriram espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo industrial, mas pouco se importam com estética, pois estão voltados para os quinze minutos de fama e buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às vezes, contam com competentes empresários que abrem as portas da mídia e transformam o que é oco em celebridade, pois no mercado atual é a celebridade que vende. Tal realidade nos remete ao arquétipo explicitado no filme "Muito além do jardim", onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter Sellers) era interpretado como genial.

Por que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar os nichos literários criados compostos de livros caricatos, lançados para conquistar jovens e limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar amplitude inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.

Toda literatura é válida, mas as que devem ganhar visibilidade são aquelas que os editores compreendem como comerciais. É assim que se configura o presente mercado editorial brasileiro. O autor a ser valorizado é o que se comporta como um bom gerente de contas e cumpre boas metas de venda com o seu produto. É esse o autor que as editoras inserem na mídia, para eles negociam a condescendência de uma parte da crítica e a partir deles criam a farsa do merchandising.

Numa nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser reescrito para vender e os autores de sucesso desfilam a face mais pueril de uma literatura vulgar em programas de entrevistas e nos cadernos culturais dos nossos periódicos. Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou aquela sentença magnífica de Brás Cubas, um ato profético:

“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

Assim, nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo visto, se transformando em hieróglifos a serem decifrados.
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ALEXANDRE COSLEI - Jornalista, professor e escritor premiado. Autor dos livros "Os Paralelepípedos da Vila Mimosa”, que participou do Prêmio Portugal Telecom 2010, além de um volume crítico intitulado "Os indigentes literários", uma reunião de artigos sobre literatura contemporânea que autor classifica como subversivos. Também figura em diversas antologias de contos e poesias. Complementando seu acervo, possui inúmeros artigos publicados em importantes veículos virtuais como o Jornal O Dia, Observatório de Imprensa, Folha do Meio Norte e em diversos Blogs relevantes. Alguns desses artigos foram recordistas de visualizações nos sites onde foram divulgados ou republicados. Está entre os primeiros autores que serviram de base para a criação da revista literária "Verbo", hoje não mais impressa. Como jornalista, está presente em diversas publicações polêmicas na imprensa.


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terça-feira, 14 de novembro de 2017

CIDADE MINEIRA É DESTAQUE EM LIVRO DO AUTOR EDUARDO PASTOR PARAGUASSU

Por Shirley M. Cavalcante (SMC)

Eduardo Pastor Paraguassu tem 56 anos, é formado em engenharia civil pela UFMG, funcionário público federal, pai de dois filhos e ama o voluntariado. O seu lema é: quando tudo está ruim, dê um prato de comida e um sorriso, claro, para quem tem fome e bate à sua porta; dê cinco minutos de conversa para aquela sua velha tia esquecida da família; brinque com o sobrinho irritante; faça-se de criança bagunceira também, e a sua angústia se transformará na mais plena e prazerosa satisfação pessoal.

“A mensagem de que existe um super ser dentro de cada um de nós, capaz de mudar o mundo a partir de um pouco de amor;”

Boa Leitura!

Escritor Eduardo Pastor Paraguassu, é um prazer contarmos com a sua participação na Revista Divulga Escritor. Conte-nos, o que o inspirou a escrever o seu livro “A vida amorosa de Creuzô: Eu te amo, idiota!”?

Eduardo Paraguassu - Trabalho numa casa assistencial faz mais de vinte anos, e de uns tempos para cá tenho sonhado com um rapaz fã dos personagens da Marvel, que nos deixou recentemente e era um companheiro querido do trabalho na casa; e nos meus sonhos, ele pede para eu escrever Creuzô, e foi o que fiz. Ele foi ditando e eu, escrevendo.

Apresente-nos os principais personagens que compõem a trama.

Eduardo Paraguassu - Creuzô é a heroína descabelada e perdida num mundo cheio de exigências, que não consegue nem manter o próprio quarto arrumado, mas se vê obrigada a salvar a civilização de uma força cósmica malévola.
       
Thor, o Homem de Ferro, Hulk e o Capitão América, Lúcifer, It – a coisa – de Stephen King, um monte de amigos de Creuzô; o pai careca e barrigudo e a mãe devota de Santo Antônio são alguns dos personagens cujas participações na trama irão encantar o leitor.

Quais os principais desafios encontrados para a escrita do romance “A vida amorosa de Creuzô: Eu te amo, idiota!”?

Eduardo Paraguassu - Escrever e ter a obra lida é um sonho. Eu me lembro de uma entrevista com os cantores sertanejos Bruno e Marrone, quando eles contaram sobre os muitos anos de estrada cantando em tudo o que é parada até que um dia pintou o sucesso. Eles sempre foram bons, mas as pessoas não paravam para ouvi-los, assim também acontece com o livro. A escritora Gisele Mirabai, ganhadora do primeiro prêmio Kindle – Amazon de literatura em 2017, estava com o livro na gaveta fazia tempo. Quando tentou lançá-lo, só achou portas fechadas. Aí apareceu o concurso, ela entrou e ganhou. O livro é fantástico, mas não deu a sorte de cair nas mãos de alguém que se interessasse em fazer-lhe uma apreciação séria. Comparo o escritor aos super-heróis da Marvel, ele deve ter uma superpaciência, ser superinsistente e possuir uma superfé, pois ele sabe que a literatura, assim como a música, a pintura e a escultura,éalimento da alma, e que tem muita gente faminta por aí, e que não é direito do escritor negar-lhes alguns instantes de deleite num mundo onde o bicho pega o tempo todo. O objetivo do verdadeiro escritor é levar o leitor ao delírio, emocioná-lo, fazê-lo refletir, arrancar-lhe um sorriso, carregar-lhe o coração de esperança na magia, convencê-lo de que a vida é muito maior que nossas limitaçõese trazê-lo para essa vida ilimitada.

Em qual cidade se desenvolve o romance? Comente sobre a ambientação geográfica da obra.

Eduardo Paraguassu - A linda cidade de Araxá, em Minas Gerais.

O que mais o encanta nesta obra literária?

Eduardo Paraguassu - A mensagem de que existe um super ser dentro de cada um de nós, capaz de mudar o mundo a partir de um pouco de amor; que o maior de todos os super-heróis criados usa a força que vem da energia da amizade, que é um herói desastrado, bagunceiro, e que ama de paixão os amigos que vivem furando com ele.

Dizem que os personagens têm muito do autor. Qual dos personagens de “A vida amorosa de Creuzô: Eu te amo, idiota!” tem mais de você? Comente.

Eduardo Paraguassu - Como eu lhe disse, Creuzô é literalmente resultado do que um jovem apaixonado pelos heróis da Marvel me contou. Apenas coloquei a história no papel da minha maneira. Acho que algum dia também acreditei nesses caras, mas hoje vejo que todo pai de família no Brasil que luta para sustentar os filhos é um super-herói, seja ele homem ou mulher ou outra coisa qualquer. Escrever Creuzô me proporcionou horas maravilhosas de puro deleite; creio que o leitor vai amar a leitura, é muito engraçado, leve, feliz e sério.

Onde podemos comprar seu livro?

Eduardo Paraguassu - O livro pode ser adquirido no site: www.amazon.com.br ou basta você entrar no Google e escrever Amazon, que você cai no site. Lá tem um outro buscador, é só colocar o nome do livro: “a vida amorosa de creuzô”. O valor é R$ 3,21; cabe no bolso de qualquer pessoa.

Soube que toda a renda obtida com a venda do livro será revertida para uma casa assistencial em sua cidade. Gostaria de comentar um pouco mais sobre esta iniciativa?

Eduardo Paraguassu – Faz um bom tempo que estamos nessa, e qualquer coisa que você faça pelo voluntariado está valendo. Essa é apenas mais uma ideia, quem sabe dá certo, apesar de eu saber que por menos que você tenha como fazer já está bom demais. Aprendi que o grande bem é feito de incontáveis pequeninos bens e não de grandes bens. Um prato de sopa que mata a fome fala mais à alma que somente a gente ficar parado diante da TV vendo o mundo se acabar.

Quais os seus principais objetivos como escritor?

Eduardo Paraguassu -Todo escritor, assim como qualquer artista, quer encantar. Quero passar a mensagem de que existe magia na vida, mas é preciso que as pessoas acreditem que a vida é mais do que correr atrás do despertador;ou que existimos só para encher a barriga. Temos um satélite rodando ao redor de Júpiter a não sei quantos milhões de quilômetros da Terra e isso é real; então, por que não podemos realizar uma sociedade mais fraterna, menos egoísta e violenta?

Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor o escritor Eduardo Pastor Paraguassu. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?

Eduardo Paraguassu - Leiam! Ler é uma viagem. Quem lê um bom livro não perde seu tempo, aprende, relaxa, emociona-se, vive uns momentos em outros universos, vê o mundo por outros olhos, cresce. E principalmente, vai arrumar assunto para conversar com os amigos; e os amigos vão achá-lo atraentemente inteligente, já que a maioria de nós não é lá essas coisas, não é?! Boa leitura, boa viagem!

Divulga Escritor, unindo você ao mundo através da Literatura




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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

ESCRITORA ABORDA CULTURA MINEIRA EM ROMANCE OS AMANTES DAS GERAIS

Shirley M. Cavalcante (SMC)

Maria Jacinta de Resende Borges nasceu em Perdizes (MG) e passou sua infância e juventude em Uberaba, no mesmo estado, onde iniciou sua profissão de professora, no Grupo Escolar Jacques Gonçalves.

Atualmente mora em Sertãozinho (SP). Aposentada, é diretora de escola.

Lançou, no dia 09/03/2017, seu primeiro livro, o romance “Os amantes das Gerais”.

A história se passa em Perdizes e abrange o Triângulo Mineiro e o Alto Paranaíba. É matizada com casos pitorescos da região e leves pinceladas históricas das Alterosas.

“É uma nova versão de um amor quase impossível, ambientada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.”

Boa Leitura!


Escritora Maria Jacinta de Resende Borges, é um prazer contarmos com a sua participação na Revista Divulga Escritor. Conte-nos, o que a inspirou a escrever “Os amantes das Gerais”?

Maria Jacinta - “Os Amantes das Gerais” foi escrito há mais de trinta anos, mas só agora, após minha aposentadoria como diretora de escola, decidi publicá-lo. Sempre gostei de ouvir casos. Eles oxigenavam a minha mente, e aos poucos fui percebendo que já possuía farto conteúdo para escrever um romance ligeiramente semelhante a Romeu e Julieta, os amantes de Verona. Daí surgiram Théo e Matilde, os amantes das Gerais, namorando às escondidas nas matas e montanhas das Alterosas e atraindo para si extremos sacrifícios.

Onde se desenvolve o enredo que compõe “Os amantes das Gerais”?

Maria Jacinta - É uma nova versão de um amor quase impossível, ambientada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A vida no campo, o trabalho, o lazer, a fé, tanto dos fazendeiros como dos serviçais, os usos e costumes do início do século XX e a intriga familiar formaram o pano de fundo desse romance entre dois jovens de classes sociais distintas.

Quais os principais desafios para a escrita desta obra literária?

Maria Jacinta - Escrevi “Os Amantes das Gerais”  num momento em que meu tempo era dividido entre os afazeres profissionais, domésticos e as funções primordiais da maternidade. Então, nunca podia dedicar-me inteiramente a ele. O desconhecimento quase total sobre o mercado editorial também contribuiu para o “esquecimento”  temporário do sonho de publicar meu livro. Ele hibernou por longos anos, mas agora senti que já era tempo de trazê-lo à tona e oferecê-lo aos leitores.

Podemos dizer que se trata de um romance histórico mineiro?

Maria Jacinta - Creio que romance regional seria o termo mais adequado, pois ele aborda com mais intensidade, somente duas regiões de Minas Gerais; são poucas as nuances históricas, e elas aparecem apenas para matizar o enredo.

O que mais a encanta em “Os amantes das Gerais”?

Maria Jacinta - Tudo. Meu encantamento por ele vai do primeiro ao último capítulo. Tentei retratar da melhor maneira possível os acontecimentos mais significantes que marcaram e alegraram a minha infância, a de meus familiares e amigos. Os “causos” contados de maneira solene, para a plateia familiar, exerciam sobre mim um verdadeiro fascínio. A televisão roubou-lhes o encanto, não há mais tempo nem interesse em contar ou ouvir causos oralmente, porém eles, até agora, permanecem vivos na memória cultural de um povo. Pensando assim, acredito que ainda haja espaço para divulgá-los numa nova roupagem – o livro.

Onde podemos comprar o seu livro?

Maria Jacinta - O livro foi publicado em edição independente e não se encontra à venda em livrarias.
Para adquiri-lo, basta acessar o site: www.osamantesdasgerais.com.br
Para mais informações: mjacintarb@globo.com
(16) 9 9383-2929

Seu livro foi publicado de forma independente; caso alguma editora se interesse em dar suporte à publicação de uma segunda edição, você teria interesse em conhecer proposta?

Maria Jacinta - Claro que sim! Mas nunca vou esquecer ou ignorar a força das redes sociais. Foi por meio delas que iniciei, temerosa e solitária, a comercialização do meu livro, descobri inúmeras possibilidades que a internet oferece e encontrei generosos amigos virtuais que estão participando ativamente de sua divulgação, até em outros países. Jamais vou deixar de utilizá-las.

Quais os seus principais objetivos como escritora?

Maria Jacinta - Conquistar o gosto dos leitores, dar visibilidade à minha escrita e transmitir com coerência e sensibilidade tudo aquilo que minha imaginação for capaz de criar.

Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Maria Jacinta de Resende Borges. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?

Maria Jacinta - Conhecer novos nomes que estão surgindo no universo literário, apostar no potencial que têm, principalmente os nacionais, e aventurar por diferentes estilos e modalidades de leitura.

Divulga Escritor, unindo você ao mundo através da Literatura



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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

KAZUO ISHIGURO, AUTOR DE 'OS VESTÍGIOS DO DIA', GANHA NOBEL DE LITERATURA

Andrew Testa/The New York Times      

O escritor Kazuo Ishiguro 

          
MAURÍCIO MEIRELES
COLUNISTA DA FOLHA
05/10/2017
  
O escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, 62, foi anunciado, na manhã desta quinta (5), no horário de Brasília, como o ganhador do prêmio Nobel de Literatura deste ano.

O autor, um dos prosadores contemporâneos mais aclamados, tem publicados no Brasil livros como "O Gigante Enterrado", "Não me Abandone Jamais" e "Os Vestígios do Dia", que saem no país pela Companhia das Letras.

"Vestígios..." já havia rendido ao autor o Man Booker Prize, outro dos grandes prêmios internacionais de literatura, em 1989. Sua editora no Brasil agora vai reimprimir "Quando Éramos Órfãos", fora de catálogo, com uma nova capa.

O autor reuniu a imprensa em sua casa, em Londres, para uma entrevista coletiva, na manhã desta quinta. Ele disse ter pensado, ao receber a notícia por meio de sua agência literária, que era "fake news".

"Pensei que era boato", afirmou, sentado em um banco no seu quintal. "Uma hora, uma moça muito gentil da Suécia me ligou e perguntou, antes de tudo, se eu aceitaria o prêmio. Fiquei surpreso com como eles [da Academia Sueca] foram modestos. Era como se eles estivessem me convidando para uma festa e tivessem medo que eu recusasse o convite."

O anúncio foi dado por Sara Danius, secretária permanente da Academia Sueca, instituição que concede o prêmio. Ela destacou que a obra de Ishiguro tem "grande força emocional" e "desvendou o abismo sob nossa sensação ilusório da conexão com o mundo".

Ela descreveu ainda o trabalho do autor como uma mistura de Jane Austen e Franz Kafka. "Mas é preciso acrescentar um pouco de Marcel Proust, misturar, mas não muito, e então se chega à escrita dele", disse.

Danius afirmou ainda que, contudo, diferentemente de Proust, o autor não está interessado no resgate do passado, mas em explorar o que é preciso esquecer para sobreviver —não só no plano individual, mas também social.

Depois de premiar uma jornalista, em 2015, e um compositor, em 2016 —escolhas vistas como ousadas—, a Academia volta a escolher um escritor no sentido tradicional da palavra. Salman Rushdie, amigo do premiado, em entrevista ao jornal "The Guardian", ainda brincou com a escolha: "E ele ainda toca violão e compõe músicas. Passou por cima do Bob Dylan".

Ishiguro, que trabalhou como músico na juventude e ainda compõe, tem parcerias famosas com a cantora de jazz Stacey Kent. Seu ídolo era —ironicamente— Dylan, além de Leonard Cohen e Joni Mitchell.

Nascido em Nagasaki, no Japão, ele se mudou com a família aos cinco anos, nos anos 1960, para o Reino Unido —e só voltaria a seu país de origem 30 anos depois. Não à toa, sua obra é escrita em inglês. Depois de trabalhar como músico, no começo da carreira, ele estudou letras e filosofia. Depois, faria um mestrado em escrita criativa.

Como em outros anos, as casas de apostas erraram. Ishiguro não era o favorito das listas, que incluíam Ngugi wa Thiong'o, Haruki Murakami e Margaret Atwood, entre outros. Ele receberá como prêmio 9 milhões de coroas suecas (R$ 3,5 milhões).

Em entrevista à Folha, no lançamento de "Quando Éramos Órfãos", Ishiguro lembrou uma visita ao Brasil, nos anos 1990, e falou do seu fascínio pelo conceito de "geto" —ou jeito, o jeitinho brasileiro. O livro lançado na época, dizia, era motivado pela noção brasileira de "soldado" (saudade).

"A nostalgia que os portugueses tinham de Portugal quando estavam no Brasil e a que eles sentiam do Brasil quando em Portugal. Em 'Quando Éramos Órfãos' quero mostrar esse sentimento."

Ishiguro se interessou pela literatura quando tinha cerca de dez anos, quando passou a ler obsessivamente as histórias de Sherlock Holmes. Fazia os colegas rirem, porque tentava imitar o comportamento dos personagens —e até usava o mesmo jeito de falar. Seu primeiro livro, "Um Pálida Visão dos Montes" (Rocco), foi publicado em 1982.

O autor fez parte de uma geração que hoje ocupa lugar central na literatura produzida no Reino Unido. Ele estava no grupo selecionado, em 1983, pela "Granta", uma das grandes revistas literárias do mundo, como os melhores jovens escritores britânicos —na lista estavam figuras como Ian McEwan, Salman Rushdie e Martin Amis.

Seu auge chegou logo depois, em 1989, quando ganhou o Man Booker Prize por "Os Vestígios do Dia". O romance traz um mordomo que recorda três décadas de serviço a um lorde britânico, revelando aspectos sombrios da história do ex-patrão, como a simpatia pelo nazismo.

Ishiguro é conhecido por passear por vários gêneros literários, como o romance policial, o faroeste, ficção científica e a fantasia. Seu último livro, "O Gigante Enterrado", se filia a esse último gênero.
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Livros publicados no país

- "Os Vestígios do Dia"
Um mordomo à moda antiga se ressente pela decadência da aristocracia britânica no entreguerras e pelo fato de ter um novo patrão que não dá a mínima para o emaranhado de rituais que orientam sua vida.
- "Não me Abandone Jamais"
Triângulo amoroso se passa em um internato onde todos os "alunos" são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição (no caso, seus órgãos).
- "O Gigante Enterrado"
Obra trata de um velho casal que viaja por uma paisagem traiçoeira e sem lei para tentar encontrar seu filho, enquanto tateiam a névoa do esquecimento que parece ter se abatido sobre a terra devido a uma maldição.
- "Noturnos"
Nas cinco histórias há música e cair da noite a enquadrá-las cenograficamente. Mas o verdadeiro tema comum apenas se revela se o título for também tomado, metaforicamente, como alusão ao momento de esfriamento das esperanças de o talento naturalmente se ajustar ao sucesso, cujas condições se descobrem aleatórias, injustas e, por vezes, ridículas.
- "Quando Éramos Órfãos"
O livro fala sobre o poder do passado de determinar o presente através da história de Christopher Banks, um garoto que fica órfão aos nove anos de idade. Vinte anos depois, ele se torna um detetive e resolve rever Xangai, palco da guerra entre China e Japão, fazendo com que sua busca pelos pais seja confundida com a busca pela ordem no mundo.
- "O Desconsolado"
O renomado pianista Ryder viaja para uma pequena cidade do leste europeu para um concerto. Lá, ele se envolve em uma briga entre o violoncelista Christoff e o maestro bêbado Brodsky, e em todos os lamentos dos moradores locais que desabafam frustrações e sonhos com o pianista.


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domingo, 28 de maio de 2017

MACHADO E O REALISMO CÉTICO - Antonio Olinto

Machado e o realismo cético


Vive a literatura brasileira sob a inarredável presença de Machado de Assis, que nos empurra de um lado para outro, exige que o decifremos e analisemos, que o neguemos várias vezes antes de curvarmos a cabeça diante de sua força. Quem foi na realidade o Bruxo, de que maneira se apossou ele da inteligência e das emoções de um País? Conquistou um estilo que não se confunde com nenhum outro, compreendeu-nos como ninguém e até zombou de nós todos que vivemos neste vale de ciúmes.

A vasta bibliografia machadiana passou a ter, nesta passagem de um século a outro, mais uma análise de boa qualidade. É a do recém-lançado livro de Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, "Freud e Machado de Assis: uma interseção entre psicanálise e literatura". Postou-se aí o autor em posição correta diante da esfinge Machado, ao dizer, desde o começo, que a psicanálise é "um saber conjuntural e conjectural", que leva a "dúvida" como base de um caminho. Também na "dúvida" se colocava Machado em sua análise do inconsciente, de modo parecido com o que Freud adotaria anos mais tarde. Foi na literatura (Ésquilo, Sófocles, Shakespeare, Goethe, Dostoievski) que Freud encontrou exemplos que pudessem elucidar suas teses. Talvez por ser, a literatura, ao contrário do estilo monológico das ciências exatas, o diálogo sendo também um caminho para a dúvida, enquanto o monólogo busca a certeza.

A parte central do livro de Luiz Alberto é a análise das mulheres de/em Machado de Assis, principalmente suas mulheres "pecadoras": a Virgília de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", a Marcela do mesmo romance, a Sofia de "Quincas Borba" e Capitu de "Dom Casmurro". Em contextos diferentes, analisa também Helena, Iaiá Garcia, a Flora de "Esaú e Jacó", Fidélia e Carmo de "Memorial de Aires". O ciúme e a traição envolvem os personagens, em tragédias silenciosas ou não tanto, em textos a que não faltam o humor e a ironia. A densidade psicológica da população machadiana abre caminhos na compreensão de um relismo antes de tudo cético. Nota o autor do livro de agora:

"O texto machadiano, na atualidade, está muito valorizado na medida em que ele está fundado no pessimismo e no humor. Machado percebia, com clareza, o lado trágico das relações humanas. Este lado trágico, já presente em Shakespeare e Sófocles, para citar dois autores muito presentes na literatura freudiana, nos fala do permanente mal-entendido dos encontros humanos, de um ser humano permanentemente acossado por outro, pelas forças da natureza, bem como pelo pior de todos os detratores - seu mundo interno."

A primeira "pecadora", Virgília, apresenta uma certa naturalidade gozosa no adultério. O "realismo cético" surge, em "Brás Cubas", com uma força literária que vinha revelar um novo Machado, em nada parecido com o de "Ressurreição", "Iaiá Garcia" e "Helena". Falando em "filosofia cética e proustiana", cita Luiz Alberto trecho de "Brás Cubas", em que Brás diz:

"Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da fidelidade presente; há nela uma gota de baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode gozar deveras, porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer".

Nada mais "realismo cético" do que isto. Mas logo depois, em "Quincas Borba", mais atravessado de tragédia do que seus outros romances, paixão, ciúme, e loucura se misturam. O ciúme está acima de tudo, principalmente no homem, no macho, oprimido pela mulher que atrai outras atenções.

A Sofia de "Quincas" não trai, mas joga o jogo da sedução em que envolve tanto o marido, Palha, como o apaixonado Rubião, na ingenuidade que o tornou insano. Luiz Alberto chama-a de "metade gente, metade cobra". Seus diálogos, com o marido de um lado, com Rubião do outro, são obras primas de atração por parte da mulher, com idas e vindas entre o oferecimento e a quase entrega, ligados a um recuo em que a sedução se esmera em abrir uma certeza para o futuro. Ela brinca também com o marido, chamando-lhe a atenção para o assédio tranquilo do apaixonado.

Capitu é, sem dúvida, o ápice da criação literária brasileira, com seus olhos de ressaca, sua objetividade no armar situações e seu fim mais ou menos solitário. Se Virgília traiu e Sofia deu a entender que sim, mas não, de Capitu há certezas num e noutro lado. Os livros de Fernando Sabino e Domicio Proença Filho dizem e não dizem, o brasilianista William Grossman, professor na Universidade de Nova York, organizador de um julgamento em que seus alunos dariam o veredicto de traição ou não, depois das falas de um promotor e uma advogada de defesa (o resultado absolveu Capitu) estão entre os muitos que se curvaram sobre o mistério de Capitu.

Dir-se-ia que Machado, que foi feliz no casamento (a Carmen de "Memorial de Aires" seria um retrato de Carolina) aceitava a frase que Victor Hugo colheu no Chateau de Chambord, "Souvent femme varie/Bien fol est qui s'y fie!" (Muitas vezes a mulher varia/Bem tolo é quem nela se fia!). Hugo usou os versos em seu texto "Le roi s'amuse" e a adaptação da ópera de Verdi, inspirada em Hugo, "Rigoletto" popularizou a "La donna è mobile"...

"Freud e Machado de Assis: uma intercessão entre psicanálise e literatura", de Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, merece atenção. Lançamento da Editora Mauad, projeto gráfico do Núcleo de Arte Mauad.

Tribuna da Imprensa em 09/01/2002


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Antonio Olinto - Quinto ocupante da Cadeira nº 8 da ABL, eleito em 31 de julho de 1997, na sucessão de Antonio Callado e recebido em 12 de setembro de 1997 pelo acadêmico Geraldo França de Lima. Recebeu o acadêmico Roberto Campos. Faleceu dia 12 de setembro de 2009.

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