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terça-feira, 1 de março de 2022

DOBRA DE LEITURAS 

Peter O' Sagae

 

Abro hoje O QUE EU VI POR AÍ, sim de Cyro de Mattos, com ilustrações da polonesa Marta Ignerska e o projeto gráfico de Monique Sena (Biruta, 2014), e sinto-me um pouco mais em paz. A voz do texto é igualmente mansa e soa como um convite às horas de contemplação, assim que o sol acorda, com seu olho enorme, onde o céu faz uma curva e vai empurrando as sombras, inventando leões rugindo nas ondas com suas jubas brancas... Sim, respinga, no rendilhado dessa prosa poética, um olhar de criança que, como o sol, pode se admirar no espelho que ele mesmo espalha na imensidão do mar.


Sim, a descrição do amanhecer não é um objeto novo na estante de meus livros. Nem a apreciação das nuvens que rolam acima, transformando-se. Mas existe, no entanto, uma necessidade de aprender a observar a natureza de uma maneira descompromissada, sem o agito do cotidiano. E talvez a lição comece durante a infância, ou no amanhecer de um dia.


Cyro de Mattos passeia do horizonte à mata, à chuva da tarde, às figuras da noite. Formas e formigas enfileiram-se em seu texto que soa, enfim, como uma oração que exalta a vida, incansável, de flores e insetos, cores e aves, água e pedras em uma correnteza de imagens. Olhar as belezas do mundo faz lembrar outros textos, como O MENINO MAIS BONITO DO MUNDO, de Ziraldo (1983). Porém aqui a narrativa mítica cede lugar às cenas engraçadas, quando o olhar contemplativo de menino assume a proposição de imagens imaginadas e lembranças: um jogador anão no meio do campo fazendo um gol no goleiro grandão, uma velhinha (que não assobia) mas chupa cana com um dente só, palhaços, presepadas, uma macaca (que não é caixeira de uma venda) mas faz toda a família dormir...


Desde a capa do livro, já se anunciava a posição de expectador de um grande cinema. O que há de diferente é a sugestão da criança narrar e também editar seu próprio filme, após a aprendizagem das coisas simples, leves e engraçadas. Tudo isso explica as ilustrações de Ignerska, as figuras de muitos braços e olhos que povoam as páginas do livro, sempre em movimento. Apenas o projeto gráfico poderia ser mais suave, claro e aberto à intervenção dos leitores. Os mais novos, não eu. Sempre em movimento.


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*Peter O’Sagae  reside em São Paulo, é autor de “uma noite para João  e outros poemas” e “2 no telhado”, entre outros. Doutor em literatura infantil, crítico e tradutor. Editor do blogue Dobras de Leitura.

**O que eu vi por aí, de Cyro de Mattos,  infantojuvenil, Editora Biruta, São Paulo, 2014. 

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