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quarta-feira, 9 de março de 2022


 

Agudo mundo ou do solitário caminhante nos campos insanos

Cyro de Mattos*

 

    ...matador de pássaro terra água a mancha que envergonha.   aguda fome vil de novo impelindo-te.  fecha as pálpebras o sol quando vê tuas águas oleosas ondas dum peito sem dó e lágrima a comemorar de ira excedido o que o coração mais lateja desamor a queimar no verde a cobrir com cinzas os tocos das vastidões desoladas. em flor carbonizada borboletas ausentes de odores fragrâncias sem finas saliências a relva em hesitante tremor. sem tecer da natureza minúsculos dramas a vida.  sanha sorves de todas as forças reunidas pulsando veias nervos num calor para matar os sobreviventes. te ativa o cheiro enfurecido das manadas som das patas nas têmporas tua fronte do animal transformador babando bufando nas rugas do tempo o detentor só de fissuras o mundo te pergunta se no antigamente havia o semeador no campo de centeio decididamente desviado da rota alegre dos dias preferindo ser o que se acha nos gestos impuros mãos impassíveis dentro da bruma.  o litoral tu fizeste de tal assombro clamor que perfura a inocência irrompendo das gargantas sedentas do abraço. que adiantam soluçantes vozes emanando miasmas contaminações dos peitos esvaídos a cidade em grito? o deserto o deserto tua marcha algemando estas mãos abertas em súplicas sopradas por vento de amanhecer sofrido. de assaltos atropelos dizem os que são vítimas dum surpreendente audaz animal andarilho bicho insano poliglota suicida 

 

NÃO NOS MATE MAIS SOMOS A INFÃNCIA QUE VIVE NAS COLMEIAS DO METRÕ DORME EM ESCADARIA DE IGREJA ROLA NAS RUAS SOLITÁRIAS PUTAS NO CALABOUÇO DA CARNE NEGROS AÇOITADOS NOS PORÕES DA MEMÓRIA ESCRAVA POUCOS NATIVOS SOBREVIVENTES EM GRITO DA FUGA TRESPASSADA NOS RASTROS DA DESGRAÇA

 

        fuzilas com o sorriso aplaudes com os dentes de metralha habitas nesta inconcebível fundura dos mais vastos ais abismo feito invenção de fornos crematórios no espetáculo de amontoados nos vagões como boi pro matadouro tão pele osso os que sequer adeus podiam dar aos que ficavam sonâmbulos penetrados de angústia pelas trilhas do horror. tua máscara o sabor dos holocaustos tuas veias até hoje inflamadas no letreiro de ódio:

 

MINHA VOZ CONFUNDE ATÉ O AR AS AMARGAS SIM AO INVÉS DE SADIOS SABERES BEM-VINDOS NO AMOR SABORES DAS FRUTAS DOCES NO VERSO DO TEMPO ME MASCARO DE IDEOLOGIA NEGATIVA NADA DE UTOPIA COMO CANÇÃO DO AMOR

 

             de crimes hediondos executor numa incrível capacidade de proliferar tudo que não se cobre com a folhagem da vida 

 

QUERO QUE O POBRE EXPLODA MENINO DE RUA SE FODA PRETO QUE SE LASQUE PUTA QUE VÁ PRA PUTA QUE PARIU ÍNDIO MATO AGORA É COM GRANADA

 

                    à vontade instauras teus ares disseminando pétalas atômicas. gente flora fauna alimentando teu ópio com ventos gemedores urdidos de agonia nos sequestros diabólicos. o viajante das estrelas corruptor corrompido estampado no mundo não mundo como o matador incansável dos que cantam a poesia da pomba em veias puras da manhã carícia feita mansidão verdadeira. na bomba teu maior elogio dos escombros no sal destas águas que despojam as cores do arco-íris nada de choro com a menina morta a bala perdida encravada na cabeça remorso não habita teus becos insones bem conheces tua música de eficiente terror no ar a explodir a maravilha estilhaçada de gritos entre tudo que soterras quem te fez exilado nas próprias sombras dos anos desalmados? não mais  pressentes sementes da terra amputada dos rumores  do vento nos ramos trescalando chuva de flores nem o encontro  dos amantes com seus anéis brilhando nos jardins do amor já não existe  mais choro mais grito mais dor mais nada conseguiste secar  todas as lágrimas de seres provisórios neste estar no mundo ambíguo. não conseguem encarar-te as trevas há muito tempo a morte evita encontrar teu olhar medonho numa carreira tão veloz sumiu para que o vento mais rápido nessa fuga de assombros nunca consiga alcançá-la

 

apesar de tudo creio.  sabe o tempo caminhos de mim mais os outros mais o mundo. duma flauta mágica da qual escorre uma música de tranças que se faz no seu expectante amanhecer. enleio de canção que acena com luzes na parte obscura do ser

 

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* Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, ensaísta, cronista, romancista e autor de literatura infantojuvenil. Editado também em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Premiado no Brasil e exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.  Autor de mais de 80 livros.

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