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sábado, 8 de janeiro de 2022

BOM ANO NOVO - José Sarney

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Primum vivere, deinde philosophari' - 'Viver, depois filosofar', disse Hobbes no século 18 reformulando os versos antigos de Horácio: 'Dum loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem quam mininum credula postero.' 'Enquanto falamos o tempo foge invejoso: aproveita o dia, confiando no amanhã o menos que puder.'

A longa lição de meus anos me ensinou que, se o mais importante é estar vivo - meu avô dizia que ruim é não fazer aniversário -, não é mal filosofar e confiar no amanhã como curativo dos males de hoje. É verdade que vivi muitos anos bons em que não podia pedir mais da bondade divina, mas também tive - tivemos - a cota de anos velhos que gostaria que tivessem sido diferentes, menos amargos e tristes.

O Ano Velho que acabamos de passar foi daqueles que serão lembrados como anos que devem ser esquecidos, tanta tristeza trouxe à Humanidade e ao Brasil. Só aqui foram mais de 600 mil mortos pela Covid-19, uma desolação. Temos que filosofar, isto é, saber que muitos poderiam ter sido salvos se tivéssemos mantido a tradição brasileira de vacinação expedita, como as tantas campanhas bem-sucedidas que fizemos no passado, quebrando recordes.

Ao contrário de outros países nossa população se habituou com as campanhas de vacinação, inclusive com a infantil, aliás há muitos anos obrigatória. Ser obrigatória não é contra os direitos constitucionais, mas resultado deles, pois a vacinação não é um processo individual, mas um instrumento coletivo em defesa do mais básico dos direitos, o direito à vida.

Se tenho um desejo para o Ano Novo é que seja um ano de transformação política. Teremos eleição, boa oportunidade de escolher quem nos representa melhor, mas não é disto que falo; já de garganta seca, insisto que é preciso corrigir alguns pontos da Constituição para fazê-la 'instrumento de um país moderno, em que o Legislativo legisle, o governo governe e o Judiciário controle', como escrevi numa virada de ano, há um quarto de século.

Lembrava eu então as mazelas orçamentárias, a dispersão legislativa, as agruras do Judiciário, cada Poder a sofrer percalços e interferências dos outros. A democracia vive de instituições fortes, e fortalecê-las é tornar os poderes harmônicos e independentes.

Precisaríamos que fosse verdade o velho ditado 'ano novo, vida nova', mas sabemos que, ao contrário, ano novo, vida velha, pois ela não se modifica com a simples passagem da meia-noite. Costumo citar o Padre Vieira - é boa certeza de não errar - e o faço mais uma vez. Dizia ele que 'o tempo tem duas medidas, uma na realidade, outra na apreensão'. É por isso que é fácil dizer 'bom ano', mas é difícil ter a certeza de que vamos ter um ano bom ou um ano melhor.

É sempre um mistério a virada do tempo e o que o futuro esconde. Se temos motivo ou motivos para apreensão, com mais razão, no entanto, devemos desejar para todos, para cada um de nós e para todos os outros, que o futuro se mostre com uma melhor face, com boas cores, boa sorte, bom tempo e uma felicidade real, uma dessas que se tem quando nasce uma criança ou se experimenta um bom ano.

Bons anos! - é o meu desejo, pois não quero limitar a graça que Deus pode nos dar.

Os Divergentes, 05/01/2022

https://www.academia.org.br/artigos/bom-ano-novo

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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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