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sexta-feira, 30 de abril de 2021

CÉU NOTURNO – Marco Lucchesi


Céu Noturno

Marco Lucchesi


Espanto e maravilha, irrompe a fresca madrugada nos domínios da insônia.

A descoberta da escala me pareceu assombrosa. Não sofro de insensibilidade numérica. A estrela Ícaro, na constelação do Leão, dista nove bilhões de anos-luz da Terra! A fome da distância produz vertigem e delírio. Impossível morrer por falta de ar.

Poincaré: a astronomia é útil porque nos eleva acima de nós, útil porque é bela. Faz ver quanto o homem é pequeno no corpo e no espírito, pois essa imensidão resplandece onde seu corpo não passa de um ponto obscuro, e pode abarcar a sua inteligência e dela fruir a silenciosa harmonia.

O céu noturno clama o sentimento do infinito. Ou de operar em vastas, sublimes escalas. E de obrigar-se para o mais, não para o menos. Apelo de angústia ou de paz. A luz das nebulosas, estrelas e quasares. Leio Paul Coudrec: “os poetas não terão mais, sozinhos, o privilégio de celebrar a luz: toda a ciência tornou-se um hino à luz”

 Também assim, para Farias Brito, mas por motivos outros, ao declarar que dentro da luz agimos e estamos.

 As não pequenas dificuldades do campo unificado. O primeiro livro que me abordou foi o de Abdus Salam. A mecânica celeste e os sóis incontáveis. 

 Betelgeuse e Bellatrix. Les belles dames sans merci. Amo as nebulosas de Órion e Cabeça de Cavalo. Assim na Cruz o Saco de Carvão. Mais belas entre Escorpião e Sagitário, as nebulosas da Lagoa, a Trífida e a Messier 55.

Comprei alguns livros de radioastronomia. Mas inutilmente. Olhar de poesia, artesanal. Vou mais longe com a matemática. Reclamo sempre o corpo razoavelmente tangível.

Minhas estrelas: Antares e Aldebarã. E a Mira Coeli – em vez de Mira Coeti para dizer como Jorge de Lima.

Passaram-se muitos anos. Meu telescópio ainda vive. É preciso colimar as lentes. Eu também vivo. Quando o mundo é mais hostil, não falta céu.

 

Humanitas, 01/04/2021


Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018.

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