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domingo, 28 de fevereiro de 2021

CRIME E CASTIGO – Gibran Khalil Gibran

 


Crime e Castigo

 

            Então, um dos juízes da cidade acercou-se e disse: “Fala-nos do Crime e do Castigo”.

            E ele respondeu, dizendo:

            “É quando o vosso espírito vagueia sobre o vento,

            Que vós, sozinhos e desprevenidos, cometeis delitos contra os outros e, portanto, contra vós próprios.

            E pela remissão do mal cometido, devereis bater à porta dos eleitos e esperar algum tempo antes de serdes atendidos.

       

            Similar ao oceano é vosso Eu-divino:

            Permanece sempre imaculado.

            E, como o éter, ele sustenta somente os alados.

           E similar também ao sol é vosso Eu-divino:

           Desconhece os caminhos das tocas e evita o covil das serpentes.

           Mas vosso Eu-divino não reside sozinho no vosso ser.

           Em vós, muito é ainda do homem, e muito não é ainda do homem.

           Mas apenas de um pigmeu informe que vagueia sonâmbulo nas brumas, à procura de seu próprio despertar.

           É do homem em vós que quero agora falar.

           Porque é ele, e não o vosso Eu-divino ou o pigmeu que vagueia nas brumas, quem conhece o crime e o castigo do crime.

 

           Constantemente vos tenho ouvido falar daquele que comete uma ação má como se não fosse dos vossos, mas um estrangeiro entre vós e um intruso em vosso mundo.

           Mas eu vos digo: Da mesma maneira que o santo e o justo não podem elevar-se acima do que há de mais elevado em vós,

           Assim o perverso e o fraco não podem descer abaixo do que há de mais baixo em vós.

           E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira,

           Assim o malfeitor não pode agir mal sem o secreto consentimento de todos vós.

           Como uma procissão, vós avançais, juntos, para vosso Eu-divino.

           Vós sois o caminho e os que caminham.

           E quando um dentre vós tropeça, ele cai pelos que caminham atrás dele, alertando-os contra a pedra traiçoeira.

           Sim, e ele cai pelos que caminham adiante dele, que, embora tenham o pé mais ligeiro e mais seguro, não removeram a pedra traiçoeira.

          

           E ouvi também isto, embora a palavra deva pesar rudemente sobre vossos corações:

           O assassinado é censurável por seu próprio assassínio.

           E o roubado não é isento de culpa por ter sido roubado.

           E o justo não é inocente das ações do mau.

           Sim, o culpado é, muitas vezes, a vítima do ofendido.

           E mais comumente ainda, o condenado carrega o fardo para o inocente e o irreprochável.

           Vós não podeis separar o justo do injusto e o bom do malvado;

           Porque ambos caminham juntos diante da face do sol, exatamente como os fios branco e negro são tecidos juntos.

           E quando o fio negro se rompe, o tecelão verifica todo o tecido e examina também o tear.

 

           Se um dentre vós põe em julgamento a esposa infiel,

           Que pese também na balança o coração de seu marido, e meça sua alma com cuidado.

           E aquele que deseja fustigar o ofensor, examine a alma do ofendido.

           E se um dentre vós pretende punir em nome da retidão e por o machado na árvore do mal, que considere também as raízes da árvore;

           E, na verdade, encontrará as raízes do bem e do mal, do frutífero e do estéril, entrelaçadas no coração silencioso da terra.

           E vós, juízes que desejais ser justos,

           Que julgamento pronunciareis contra aquele que, embora honesto na carne, é ladrão no espírito?

           E como punireis aquele que assassina o corpo, mas é, ele próprio, assassinado no espírito?

           E como processareis aquele que, impostor e opressor nas suas ações,

           É também molestado e ultrajado?

           E como punireis aqueles cujos remorsos já são maiores que seus delitos?

           Não é o remorso uma justiça aplicada por esta mesma lei que vós desejais servir?

           E, contudo, não podeis pôr o remorso sobre o coração do inocente, nem o levantar do coração do culpado.

           Espontaneamente, ele gritará na noite para que os homens despertem e se considerem.

 

           E vós que desejais compreender a justiça, como a compreendereis sem examinar todas as ações na plenitude da luz?

           Somente então sabereis que o ereto e o caído são um mesmo homem, vagueando no crepúsculo entre a noite do seu Eu-pigmeu e o dia do seu Eu-divino,

           E que a pedra angular do templo não supera a pedra mais baixa de suas fundações.”

 


(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

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Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da verdade.

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VIDA E OBRA DE GIBRAN (3)

1902-1908- De novo em Boston. Sua mãe e seu irmão morrem em 1903. Gibran escreve poemas e meditações para Al-Muhajer (O Emigrante), jornal árabe publicado em Boston. Seu estilo novo, feito de música, imagens e símbolos, atrai-lhe a atenção do Mundo Árabe. Desenha e pinta numa arte mística abstrata, que lhe é própria. Uma exposição de seus primeiros quadros desperta o interesse de uma diretora de escola americana, Mary Haskel, que lhe oferece custear seus estudos artísticos em Paris.

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