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domingo, 12 de abril de 2020

CACAU EM VERSOS - Cyro de Mattos


Cacau em Versos

                                               Cyro de Mattos* 



          Filho de Francisco Benício dos Santos, conhecido como Chico Benício, pioneiro do comércio em  Itabuna, pecuarista e cacauicultor abastado, Oscar Benício dos Santos  foi um dos rebentos numa prole de dez filhos. Exerceu a profissão de dentista em Salvador e manteve ao longo do tempo fortes relações com a lavoura cacaueira,  chegando  a se tornar também  fazendeiro de cacau.
  
         A arte de versejar foi uma de suas aptidões, marcadas de compulsões criativas, embora publicasse em vida apenas o livro Cacau em Versos (2013), com ilustrações de Alceu Pólvora e prefácio de Hélio Pólvora. O livro é constituído de 63 poemas, a maioria deles no formato de soneto. Vê-se assim que sua poesia obedece à composição em verso de lastro tradicional,  o poeta em nenhum momento exerce o  poema moderno,  de versos livres.

       Usa a rima fácil, a métrica na estrofação, nem sempre com resultados perfeitos, como exige o soneto, uma forma de composição fixa, distribuída em quatorze versos, duas estrofes de quatro e duas de três. Vale notar que o soneto vem atravessando séculos, no Brasil seduziu  poetas de criatividade rara, da grandeza de Cruz e Sousa, Jorge de Lima  Vinicius de Morais,  Sosigenes Costa  e João Carlos Teixeira Gomes.

        No livro Cacau em Versos, como indica o título, a poesia tem como fonte o   cacau e sua lavra, é por excelência temática, daí ser visto nesta o poeta operar seu discurso sensitivo para externar uma realidade objetiva, quase sempre optando pelo descritivo. Não ausculta a problemática interior do indivíduo, não fere a crise do homem moderno, não toca nas feridas sociais. O drama está ausente de horas críticas, dos rumores rumo ao desconhecido, das fissuras e rupturas de caráter metafísico, decorrente da natureza humana na diversidade da vida.
   
          O sentimento que emerge de conteúdo regionalista funde-se com uma visão romântica de vida. Na estrofação   arquitetada com habilidade, o poeta expressa o real exterior que ressoa no coração.   Interessa ao poeta dizer de sua empatia com base na ciclagem vegetal de uma lavoura, em cada situação plasmar os momentos e cenas que o sensibilizaram, causaram impressões e sensações. Existem nesses cantares rurais apenas vestígios do épico, que, como se sabe, dotou a lavra cacaueira de um parto doloroso na selva inexplorada e perigosa. Nessa poesia de vias rurais vê-se que ao invés do drama com suas sombras e abismos pulsar nas veias repercute a alma lírica do poeta, que tudo recorda, anota e não esquece, como no poema “Rio Cachoeira II”.


Rio de minha distante meninice,
Navegado entre margens passageiras,
Carregando sonhos – artífice
De lendárias estrofes feiticeiras.

Rio e suas laboriosas lavadeiras,
Que atapetavam, com branca espuma,
Peraus turvos de alegres brincadeiras
Da criançada que sumia em sua bruma.

Rio das cabeças d’águas temidas,
Que arrastavam desde suas cabeceiras,
Pescadores, crianças e outras vidas,

Que eram levadas por corredeiras,
Boiando e descendo à foz perdidas
No mar, seu final destino, ó Cachoeira!

              
          Sentimentos nos quadros pintados com mãos do pintor atento, a fauna apresentada por alguns de seus habitantes, a flora com seus odores e fragrâncias, lendas e crendices estão presentes na poética singela de Cacau em Versos. 
 
          No poema “Estrelas Secam Cacau”, o poeta faz com que seu estro motivado pela lavoura do cacau mostre a sedução que o trouxe para o reino de mágicos sonhos, pontuados com encanto e fantasia.


Estrelas também secam cacau:
quando exposto em noite estrelada,
sobre a barcaça ou em tosco jirau,
seca e a semente fica dourada;

então será no tabuado pisada
- em noite de festa de alegre sarau –
na madrugada, antes da alvorada,
até que perca o amargor do cacau.

Cada estrela doura uma semente,
cada semente perfuma uma estrela!
Pra ver a amêndoa, a estrela se fez cadente

e desceu do céu só para tê-la.
E a semente, de aroma recendente,
envolveu-a pra prendê-la.


          Certa vez o escritor Euclides Neto disse-me que a literatura é como a floresta, nela todos cabem. Há árvores enormes, grandes, médias e menores. Todas elas contribuem para a formação de um corpo pujante e denso. Estudiosos acham que a força e o valor de uma poesia estão na situação de seus motivos.  Na sua poética, Oscar Benício dos Santos é diferente de seus conterrâneos, os poetas Telmo Padilha, Valdelice Soares Pinheiro e Walker Luna, que não produziram o soneto. Sua poesia, impulsionada pelo ambiente da lavra do cacau, tece o estro com os fios de sonora empatia, transposta em forma de soneto na maioria das vezes.

          Em Chico Benício e Seu Clã, retalhos de prosa biográfica, Oscar Benício dos Santos foge da tônica regionalista e apresenta alguns poemas de costumes, inspirados nas relações mantidas com os familiares.

          Entre os poemas de Cacau em Versos, destaco “Aurora no Cacaual”,  ”Crendices no Cacaual”,  “Velho Cacaueiro I”,  “Tabocas II” e “Perdido na Roça”. Deixo para a crítica e o leitor a tarefa de apreciarem a poética desse poeta de Itabuna, dizendo sobre o que o seu livro tem de vida e de seu valor como obra artística.


Referência

Oscar Benício dos Santos, Cacau em Versos, Editus, Ilhéus, Bahia, 2013.
Chico Benício e sua clã, edição particular, sem data.

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*Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.

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