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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

TRIUNFO DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DE LEPANTO - Paulo Henrique Américo de Araújo


7 de outubro de 2019
Paulo Henrique Américo de Araújo

Uma multidão apinha-se em frente à Igreja de São Domingos na cidade de Granada (Espanha). Aos poucos os membros do cortejo vão atravessando a porta principal do templo para a procissão anual de 12 de outubro. Ricamente vestidos, os participantes portam belos estandartes e instrumentos musicais.

Ao toque de sinos, um imenso andor, levado nos ombros por dezenas de homens, surge na entrada da igreja. As trombetas soam e os aplausos entusiasmados da multidão repercutem. Todos os olhares se voltam para a magnífica imagem de Nossa Senhora, que acaba de chegar.

O andor se detém um instante… A banda militar inicia o hino “Salve, Estrela dos Mares”, que é acompanhado pelas vozes uníssonas dos presentes. Ao fim da música, alguém grita: “Viva a Virgem do Rosário Coroada!”. E ouve-se a resposta imediata: “Viva!”.1

Difícil permanecer indiferente a essa manifestação de entusiasmo do povo espanhol. Enquanto a procissão avança, vemos aí uma espécie de declaração pública de vitória: o triunfo de Nossa Senhora é inevitável! Nós, espanhóis, o declaramos; e enfrentaremos qualquer circunstância para manter nossa posição!

Essa nota de triunfo iminente se reflete em todo o feitio da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Granada, ou Nossa Senhora de Lepanto. A Virgem traz um manto dourado, cravejado de pedras preciosas. A túnica e a saia, que formam a parte interior do vestido, não são feitas de tecido, mas de prata, como uma armadura, repleta de ornamentos. Em volta da face, esplendores à maneira de raios, a partir dos quais se distingue uma estrela na fronte. A cabeça vem encimada por uma grande coroa. De certos ângulos discernem-se, próximas ao pescoço, algumas mechas dos longos cabelos castanhos. Nas mãos, rosários, anéis e um cetro.

Alguém poderia pensar que tais adereços são um tanto exagerados. Não! Eles não nasceram simplesmente da veneração irrefletida de um povo devoto. Como veremos adiante, tudo na imagem relaciona-se a fatos e milagres estupendos.

Ao contemplarmos a belíssima fisionomia da imagem, surge uma dificuldade. O espírito brasileiro normalmente reverencia a Santíssima Virgem pelo seu lado maternal, terno e bondoso. Na imagem de Nossa Senhora de Lepanto, sem dúvida vemos tais aspectos, mas os traços de majestade, firmeza e poder aparecem nela com muito mais fulgor. Ao fitar sua face, quase se poderia ouvi-la dizer: Eu sou a Rainha do Universo, pois sou a Mãe d’Aquele que tudo criou. Tenho o direito de mandar, de governar. E para ti, que me vês, tua melhor atitude é seguir-me. Então, terás participação na minha própria glória!

O Menino Jesus, trazido no braço esquerdo da Virgem-Mãe, apresenta análogas características. Apesar do semblante rosado, tal como o de uma tenra criança, Ele parece demonstrar uma santa indignação, sobretudo se observarmos a posição levantada do braço direito, bem como a mão que empunha o cetro do poder. O pecado, o erro, a heresia não têm parte com esse Divino Infante.

Como dissemos, tudo isso reflete de modo muito adequado a mentalidade espanhola – mentalidade impregnada de força de vontade, coerência, princípios categóricos. Mas quais fatos contribuíram para a Virgem ser representada assim, cercada de tantos atributos de poder e majestade? Na verdade, uma Rainha triunfante convém muito à frase da Escritura: “Terrível como um exército em ordem de batalha”. Foi precisamente assim que Ela quis aparecer aos seus inimigos, o que explica as características da imagem.

D. Álvaro Bazán, Marquês de Santa Cruz, resolveu levar a imagem de Nossa Senhora consigo em sua nau, para juntar-se às forças da Santa Liga, que venceram os muçulmanos na Batalha de Lepanto.
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Histórica vitória da Virgem

A imagem2 foi talhada em madeira no início do século XVI. Cedida pelos Duques de Gor, passou a pertencer à Arquiconfraria de Nossa Senhora do Rosário em Granada a partir de 1552. Nessa época, seu tamanho era menor do que se apresenta agora, e não possuía o vestido de prata a que nos referimos acima.

Em 1571, o granadino D. Álvaro Bazán, Marquês de Santa Cruz, resolveu levá-la consigo em sua nau, para juntar-se às forças da Santa Liga. Foi esta a coligação que, por iniciativa do Papa São Pio V, reuniu as frotas navais da Espanha, Veneza e Estados Pontifícios, com o objetivo de eliminar a temível armada turco-otomana que ameaçava toda a Cristandade.

Em 7 de outubro do mesmo ano, nos mares da Grécia, as forças católicas e muçulmanas se digladiaram na famosa Batalha de Lepanto. Um curioso detalhe do desenrolar do confronto naquele dia revela uma como que ação direta da Santíssima Virgem. D. Álvaro Bazán, que levava em seu navio a imagem de Nossa Senhora de Granada, recebeu a missão de comandar as forças de reserva. Sua frota, constituída de algumas dezenas de galés, permanecia atrás da linha principal da esquadra católica, enviando socorro quando a pressão dos inimigos fazia fraquejar as embarcações aliadas. Ao menos três vezes durante a luta, as reservas de D. Álvaro evitaram a derrocada da Santa Liga.

Dir-se-ia que Nossa Senhora atuava ali também, como um astuto comandante, observando atentamente as manobras da batalha, e enviando sua preciosa ajuda nas horas mais desesperadoras. Mas restava um último lance da Virgem. Mesmo com todos os esforços dos soldados da Cruz, as hostes turcas avançavam. Só uma coisa as deteve: no fragor do embate, os infiéis viram no céu uma Senhora com ar ameaçador, segurando um menino nos braços. Aparentemente, Nossa Senhora fez sua imagem de Granada transfigurar-se em forma viva. Ela disse então um basta aos muçulmanos, e em pessoa deu a vitória aos católicos. Os turcos se desesperaram, uns fugiram, outros pereceram no mar.

Desde a vitória em Lepanto, a devoção a Nossa Senhora de Granada não parou de crescer. No início do século XVII, após uma restauração, sua imagem foi reconstituída no tamanho humano natural. Além do traje perpétuo feito de prata, recebeu então inúmeros mantos e roupas que lhe foram doados. Esses vestidos permanecem hoje num anexo à Igreja de São Domingos, no chamado Camarim de Nossa Senhora. Por isso podemos contemplá-la em variados trajes e ornatos, dependendo das diversas festas e solenidades do ano.

Represenatção do entrechoque das naus capitânias durante a Batalha de Lepanto

Milagres e prodígios

A Santíssima Virgem, após se mostrar terrível aos inimigos de Deus, quis também evidenciar sua misericórdia para com seus filhos.

Em 1670, um fato extraordinário ocorreu. No dia 6 de abril, Domingo da Ressurreição, duas camareiras, Ana de San Pedro Mártir e Juana de Santo Domingo, preparavam a imagem para a procissão e notaram que seu rosto havia mudado. Transpirava, e algumas lágrimas lhe caíam dos olhos. O prior e autoridades seculares também contemplaram o prodígio, que durou por volta de 32 horas. O Arcebispo de Granada, D. Santiago Escolano, abriu um processo canônico, o qual foi concluído com uma investigação minuciosa e a declaração formal de que o fenômeno havia acontecido de modo sobrenatural.

O motivo das lágrimas só se explicaria nove anos depois, em 1679. Uma assustadora peste alastrava-se por toda região da Andaluzia, e já se fazia sentir em Granada. A Mãe Celeste havia antecipado o sofrimento dos filhos, e por isso tinha chorado de tristeza.

Mas Ela também já preparava a salvação. No mês de maio daquele ano, organizaram-se orações públicas diante da imagem. Passados dois dias, estando a igreja cheia de fiéis, “todos viram com admiração, na fronte da santa imagem, brilhar uma luz extraordinária como uma estrela, cujos raios resplandeciam em cores de prata, verde e dourada, imitando as cores do arco-íris”.

A cidade inteira se mobilizou para contemplar o chamado “Milagre da Estrela” [desenho ao lado], o qual durou 60 dias! Durante esse período houve uma sucessão de prodígios: conversões de toda ordem; uma mulher cega recuperou a vista; outra, a audição; ainda outra, já desenganada, teve a saúde completamente restabelecida. E o mais importante: logo veio o fim da peste, oficialmente declarada extinta em 6 de outubro, durante a novena da Festa do Rosário.

Novo processo canônico foi instaurado. Após 38 testemunhos de escultores, pintores e teólogos, o Arcebispo Alonso Bernardo de los Ríos y Guzmán declarou “ser milagrosa a dita luz e estrela, por exceder as forças naturais na maneira como foi vista. Todas as circunstâncias concorrem para ter o fato como milagroso. Assim o atribuímos a um milagre de Deus Nosso Senhor e o aprovamos e declaramos como tal”.

Vemos, portanto, que tudo na magnífica imagem da Virgem de Granada está perfeitamente fundamentado em fatos e circunstâncias comprovadas. Nada há de exagerado nela.

O cume da glorificação de Nossa Senhora do Rosário de Granada se deu no ano de 1961. Mais de 100 mil fiéis presenciaram sua solene Coroação Canônica, oficiada pelo Arcebispo D. Rafael García y García de Castro. Além disso, o governo espanhol concedeu à imagem a honra máxima de Capitão-General da Armada Espanhola.

Neste mês de outubro comemoramos 448 anos da vitória de Nossa Senhora em Lepanto. Fica-nos a certeza de que Ela, de novo, triunfará. Desta vez, não apenas sobre os turcos infiéis, mas sobre toda a impiedade de nossos dias.
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Notas
1 Vídeo da procissão: https://youtu.be/Tw9IedR9Ay8
2  As informações sobre a Imagem foram extraídas da página: archicofradiarosariocoronada.blogspot.com/


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