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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

QUANDO ABRI O QUARTO! - Antonio Nunes de Souza


Quando abri o quarto, depois de forçar bastante a porta, deparei com Lúcia sentada, cabeça sobre a penteadeira, respingos de sangue no espelho e, no tapete branco, uma enorme mancha vermelha escura decorrente do seu trágico gesto. Ainda em sua mão, segurava firmemente o revólver causador daquele estrago. Corri desesperado colocando-a em meus braços, mas, infelizmente, já era tarde demais. Lúcia estava morta!

Uma crise de choro apoderou-se de mim, ao tempo que a apertava contra meu corpo, estarrecido e surpreso pela sua grotesca atitude suicida, querendo entender o “por que” de tal gesto.

Mesmo com minha cabeça totalmente debilitada pela cena e o fato, tentei a todo custo rememorar tudo de nossa vida, no sentido de captar alguma coisa ou motivo que pudesse de alguma forma, leva-la a desejar acabar com a sua linda e jovem vida.

Conhecemo-nos há dois anos, estudávamos na mesma faculdade, sendo que eu fazia economia e ela enfermagem. Fomos apresentados por um amigo comum e, logo, logo, nos identificamos e começamos a namorar. Como era nosso último semestre, com as preocupações das provas finais, teses, plantões, etc., nossos encontros eram restritos apenas aos fins de semana, ocasiões que aproveitávamos bastante para conversar, ir ao teatro, cinema, trocar informações, quebrar as tensões dos estudos e curtir nossa alegria e felicidade. Amávamo-nos profundamente! Somente em olhar para o meu rosto, sentia o prazer incomensurável de estar ao meu lado, sendo que essa reação era idêntica da minha parte. Não vivíamos um para o outro, vivíamos ambos, despojando-nos de todos os bons sentimentos, para que nos transformássemos em uma pessoa só. Um amor raro, belo e invejável!

Como éramos do interior, eu morava em um modesto pensionato e Lúcia dividia o apartamento com uma amiga. Ela somente dedicava-se aos estudos, sendo provida totalmente pelos seus pais. Quanto a mim, fazia trabalhos eventuais, principalmente pesquisas e projetos, para complementar minha manutenção, pois meu pai não tinha condições de bancar-me na capital. Além do meu sacrifício, uma tia ainda me ajudava eventualmente. Minha formatura era o esperado orgulho de toda família. Seria eu o primeiro de duas gerações a completar o curso superior, que para eles era chamado pomposamente de doutor.

Depois de desfilar todos os meus pensamentos procurando razões ou motivos, infelizmente, nada encontrei que, mesmo de longe, justificasse tal gesto! Aos prantos, chamei os colegas dela vizinhos e eles se encarregaram de ligar para a polícia. Depois de alguns dias, já feitas as perícias e comprovadas que foi uma atitude solitária e suicida sem nenhuma explicação, ficamos todos na obscuridade de uma justificativa, uma vez que não foi deixado nenhuma carta ou bilhete e o revolver foi comprado por ela mesma em uma loja da cidade.

Hoje, dez anos depois, não consegui esquecê-la completamente e, sinceramente, vivo intrigado como uma pessoa amando e sendo amada por todos, realizando-se profissionalmente, inteligente, educada e feliz, comete tal loucura. Só posso dizer que são fatos inexplicáveis dessa Vida Louca que vivemos!

Quando nessas situações ouço alguém dizer: “Deus sabe o que faz!”, não ouso duvidar, mas...


Antonio Nunes de Souza, escritor,
Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL

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