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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O MENINO E A BOLA - Cyro de Mattos


O Menino e a Bola
         Cyro de Mattos


- Abra essa porta, menino.
- Não quero não.
- O que é que você tem?
- Não sei.
- Por que você não acaba com esse choro?
- Não posso não.
- Você vai ficar trancado aí dentro o tempo todo?
- Vou.
- E sua mãe, seu pai?
- Eu não quero ver ninguém.
- Jura?
- Não quero.
- E seus brinquedos?
- Dê pro Tonico.
- Deixe de bobagem, Vilinho. Tudo já passou.
- Eu não vou esquecer.
- Esqueça tudo, Vilinho. Você já é um homem.
- Não posso.
- Mas que coisa mais esquisita!
- Ainda dói, tio.
- O quê?
- Dói muito, aqui no lado esquerdo.
- Você foi o vencedor?
- Fui.
- E então? O que é que você mais queria?
- Isso não importa.
- Como não importa?
- Eu já disse que nunca vou esquecer.
- Tire, menino, tire logo essas bobagens da cabeça.
- Não posso.
- E por que você não pode?
- Tio, por favor...
- Olhe, o Tonico e o Dudu estão aqui fora.
- Eles ainda estão aí? E por que não vão embora?
- Eles estão dizendo que você tinha razão, foi provocado primeiro.
- Eu não queria.
- Hein?
- Não queria brigar não.
- Mas isso tinha que acontecer um dia.
- Eu já disse que não queria.
- Aconteceu também comigo quando eu tinha a sua idade.
- Antes eu tivesse dado a bola a ele.
- Ele quem?
- O Armando, que quis tomar minha bola.
- O filho do juiz?
- Ele mesmo.
- Mas ele é maior que você!
- É.
- E você ganhou mesmo a briga?
- Ganhei.
- No duro?
- Ganhei.
- Fale a verdade.
- Estou falando.
- Você bateu muito nele?
- Bati.
 - Então por que todo esse choro? Por que ficar trancado aí dentro o tempo todo?
- Eu não tive outro jeito.
- O que mesmo?
- Não tive outro jeito.
- Abra essa porta, menino!
- Não abro.
- Vai abrir ou não vai?
- Acredite, tio, só bati nele pra me defender.
Um choro agudo irrompeu dentro do quarto.
- Abra essa porta, Vilinho. Por que você não quer abrir?
- Não posso.
- Abra logo. O Tonico e o Dudu estão querendo falar com você.
- Não me interessa falar com ninguém.
- Por que você não quer?
- Porque não quero.
- Quer que eu mande chamar seus pais?
- Não.
- Tem certeza?
- Tenho.
- E o que é que você quer que eu faça?
- Tio, por favor, vá embora... me deixe aqui em paz.

E o choro agudo continuou dentro do quarto.

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Cyro de Mattos é autor de mais de 50 livros, de diversos gêneros. Também editado no exterior, Do Pen Clube do Brasil e Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

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