Meu filho põe sua caixa de pintura à minha frente. Pede que eu desenhe um
pássaro. Ponho o pincel no pote de cor cinza e pinto um quadrado com fechaduras
e grades. Seus olhos se enchem de surpresa: Mas isso é uma prisão, papai! Não
sabes desenhar um pássaro? E lhe digo: - Filho, me perdoe. Esqueci a forma dos
pássaros.
Meu filho põe então o caderno de desenhos à minha frente. E
pede para que desenhe uma espiga de trigo. Tomo um lápis. E desenho uma arma.
Meu filho ri de minha ignorância, perguntando: Papai, não sabes a diferença
entre uma espiga de trigo e uma arma? E digo: Filho, uma vez usei a forma
da espiga de trigo, a forma do pão, a forma da rosa. Mas nestes tempos duros as
árvores da floresta se juntaram aos homens da milícia e a rosa agora veste
uniformes escuros.
Neste tempo de espigas, de trigos armados, de pássaros armados, de cultura armada, e de religião armada, não se pode comprar o pão sem encontrar uma arma em seu interior. Não se pode colher uma rosa do campo sem que seus espinhos nos arranhe a cara. Não se pode comprar um livro que não vá explodir entre nossas mãos.
Meu filho senta-se na borda da minha cama e pede que eu
recite um poema. Uma lágrima cai de meus olhos na almofada. Ele a toma,
surpreendido, dizendo: Mas esta é uma lágrima, papai! Não é um poema! E lhe
digo: Quando cresceres, meu filho, e quando aprenderes o diwan da poesia árabe,
descobrirás que “palavra” e “lágrima” são irmãs gêmeas e que o poema árabe
não é mais do que uma lágrima chorada por dedos que escrevem.
Meu filho toma seus pincéis, a caixa de tintas da minha
frente e pede que eu desenhe uma pátria. O pincel treme em minhas mãos e eu me
afundo, chorando...
* * *
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