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sábado, 30 de março de 2019

O MARIDO DISTANTE – Mário de Moraes


A carta me veio de São Paulo, com o endereço e nome de todas as pessoas envolvidas no caso. Pedem-me, porém, confiando em mim, que troque todas as identidades, para evitar um trauma no personagem principal da história. Verifiquei a veracidade do fato e, por isso mesmo, manterei o necessário sigilo.

De verdadeiro, mesmo, apenas as principais cidades onde os fatos sucederam. E estes têm início em São Paulo, há 15 anos.

A menina Dolores, de 10 anos de idade, amanhecera com forte dor de cabeça. Primeiro deram-lhe um comprimido comum, para aliviar-lhe o sofrimento. Nada. Depois pensaram em mal do fígado, aplicaram-lhe uma injeção. Nada. A noite veio o médico receitou um calmante, a garota adormeceu.

Veio a acordar madrugada ainda, repetindo uma frase, que aos pais - gente de muitas posses - pareceu bastante confusa:

- Quero ver meu marido e meus filhos... quero ver meu marido e meus filhos...

- Deve ser efeito do calmante - procurou explicar o pai embora um pouco apreensivo - Vai ver a dose foi demasiada.

A menina voltou a dormir, mas, na manhã seguinte, quando se levantou, na própria mesa do café, pediu súplice:

- Quero ver meu marido e meus filhos. Por favor, levem-me ao meu marido e aos meus filhos...

E nada mais dizia, por mais que puxassem por ela. O médico da família, chamado às pressas, explicou que aquilo não poderia ser proveniente, em hipótese alguma, do calmante que ela tomara, muito fraco por sinal. Dolores deveria estar sendo vítima, provavelmente, de alguma perturbação mental que ele, médico de clínica geral, não saberia diagnosticar.

Começou, então, para os pais da criança, uma autêntica Via Crucis, seu doloroso caminho levando-os por inúmeros consultórios de médicos da cabeça. Psicólogos e psiquiatras foram consultados, métodos os mais modernos empregados, mas nada dava resultado. A menina comia normalmente, dormia normalmente, mas falar, mesmo, apenas estranhas frases:

- Eu quero ver meu marido e meus filhos. Por favor, levem-me ao meu marido e aos meus filhos...

Um parapsicólogo resolveu tentar o hipnotismo, como última solução. Deitada no sofá do consultório, aparentemente adormecida, a pequena foi contando uma série de fatos, totalmente desconhecidos para a sua família. Falava numa cidade distante, na Turquia, onde vivia o "seu marido", de nome Abdul, e nos seus filhos Elias e Simeão. Descrevia a sua casa, nos seus mínimos detalhes, dando mesmo o endereço da mesma. E por fim, contava como "morrera":

- Eu estava ao lado de minha empregada, quando senti a forte dor no peito... queria respirar e não podia... aquilo ia apertando o meu peito... apertando... a empregada correu a chamar o médico... mas quando este chegou, eu estava morta... sem ter visto meu marido e meus filhos... sem ter me despedido deles... por isso eu preciso vê-los... levem-me até eles, por favor...

O mais estranho é que a pequena Dolores, de apenas 10 anos de idade, falava com voz de adulta.

Os pais da criança, completamente desesperados e aconselhados pelo tal parapsicólogo - também entendido em coisas espirituais - resolveu tirar aquilo a limpo. E com o endereço de uma rua na cidade de Esmirna, na Turquia, compraram três passagens de avião e se dirigiram com a filha para aquele lugar. É bom que eu lembre: depois da consulta com o parapsicólogo, assim que a menina acordou, ela voltou a dizer apenas as já conhecidas frases.

Assim que chegaram próximo à rua da distante Esmirna, os olhos de Dolores adquiriram um novo brilho e ela gritou entusiasmada:

- Graças a Deus! É aqui mesmo, é aqui mesmo!

E desvencilhando-se das mãos dos pais, subiu célere par uma rua enladeirada. Foi parar em frente a uma casa, onde bateu forte na porta. Quando o pai e a mãe de Dolores conseguiram chegar lá em cima, a menina estava sendo recebida por um senhor, com quem conversava em estranha língua. O homem parecia sinceramente espantado, enquanto a guria o abraçava, chorando desesperadamente. Apareceram, depois, dois jovens, com quem Dolores também se agarrou alucinada.

Veio um intérprete, que tentou explicar o que estava se passando:

- Esta menina diz que é esposa do Senhor Abdul e que os rapazes, Elias e Simeão, são seus filhos... Os senhores me desculpem, mas ela deve estar maluca. A esposa e mãe desses homens, morreu há mais de 10 anos...

Para os pais da menina, porém, algo muito além da compreensão estava acontecendo naquele lugar, pois a menina, que só falava português, fazia-se entender perfeitamente na língua turca.

Depois que ela conseguiu beijar o senhor e os dois moços, caiu desmaiada. Voltou a acordar muitas horas mais tarde, já no hotel do centro de Esmirna. Sem lembrar-se de nada que acontecera, desde a noite da terrível dor de cabeça. E até hoje ela só sabe que esteve doente e que seus pais fizeram aquela viagem para curá-la. A conselho de um psiquiatra, nunca lhe deram os detalhes do acontecido, preferindo mantê-la na ignorância dos 'inexplicáveis acontecimentos.


Mário de Moraes

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