Cenas de um dia na Corte
Foram quase 11 horas com apenas alguns intervalos, bem mais
do que a peça de Ariane Mnouchkine “Rei do Camboja”, de oito horas, a que
assisti em 1985 em Paris e que era o meu recorde de espectador. Só que o
espetáculo do STF teve mais suspense, pois não se sabia o que iria acontecer
com o protagonista.
O número exótico foi apresentado por Gilmar Mendes, vindo
especialmente de Lisboa, para onde voltou após votar. Deu um show de
interpretação com sua retórica teatral de caras e bocas. Exaltou-se,
responsabilizou os petistas pela atual intolerância e jogou pedras na Geni, que
é a imprensa hoje.
Disse que nunca viu uma “mídia opressiva” como a de agora.
Acusou o “Jornal Nacional” de “neopunitivismo” por querer “provar minha
incoerência” , deu um esbarrão no GLOBO e fez pior com a “Folha de S.Paulo”,
chamando-a de “mídia chantagista”. Queixou-se também dos que querem lhe dar
lição sobre o sistema penitenciário. “É injusto ou indigno para comigo. Eu fui
a Bangu e Pedrinhas, conheço esse sistema”. Ah, sim, e também votou, como
esperado, a favor da concessão do habeas corpus.
O melhor momento foi proporcionado por Luís Roberto Barroso.
Com um discurso claro, objetivo e convincente, ele deixou sem graça os que
defendem o tal trânsito em julgado, ao exibir exemplos de condenados que, de
recurso em recurso, passaram dez, 20 anos livres. Como “impactos devastadoramente
negativos” de uma decisão proibindo a prisão após condenação em segunda
instância, ele citou a impunidade de quem tem bons advogados e o descrédito do
sistema penal. “Condenou-se a advocacia criminal ao papel de interpor recurso
incabível atrás de recurso incabível para impedir a conclusão do processo e
gerar artificialmente prescrições”.
Rosa Weber foi a quinta a votar, cercada da maior
expectativa. Era aguardada como fiel da balança. Por cerca de uma hora fez uma
apresentação técnica, hermética, coerente, sem concessões, de sua
justificativa. Ela se baseou no “princípio da colegialidade”, que faz “as vozes
da individualidade cederem em favor de uma voz institucional”.
Por fim, é triste lamentar o comportamento de Marco Aurélio
(ajudado por Levandowski), que, inconformado com a derrota, foi deselegante e
descortês com Cármen Lúcia e Rosa Weber, interrompendo-as enquanto falavam,
lançando farpas e distribuindo ressentimentos e queixumes.
Marco Aurélio perdeu uma boa oportunidade de se mostrar um
cavalheiro com duas das mais brilhantes e serenas representantes do
empoderamento feminino na Justiça.
O Globo, 07/04/2018
....
Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL,
Zuenir Ventura foi eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do
Acadêmico Ariano Suassuna, e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica
Cleonice Berardinelli.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário