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sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

MINHAS MEMÓRIAS ESPORTIVAS DO GOLEIRO LUÍS CARLOS - Cyro de Mattos



            O goleiro Luís Carlos deixou-nos na véspera do Natal. Foi jogar nas canchas do céu, defender a cidadela de um time divino e maravilhoso,   neste certamente estarão atuando jogadores amadores inesquecíveis,  que se exibiram com a sua classe e empenho, do lado de cá, no Velho Campo da Desportiva, como Leo Briglia, Santinho, Humberto Cesar, Leto, Abiezer, Tombinha, Valdemir Chicão, Zequinha Carmo, Porroló, Zé Davi e o velocista Nenem, entre outros.
 
              Luis Carlos Alves Franco, casado, pai de três filhos. Um goleiro elástico e elegante quando agarrava a bola ou mandava para escanteio, em defesas sensacionais. Sabia repor a bola em jogo com habilidade. Jogou em vários times importantes do futebol amador: Grêmio, Janízaros, Flamengo e Fluminense. Foi hexacampeão pela seleção de Itabuna no Intermunicipal. Assim que a seleção amadora tornou-se um time profissional para participar do campeonato baiano, ele foi o goleiro de várias temporadas. Numa delas, em 1967, conquistou o título de vice-campeão pelo Itabuna. Jogou também futebol de salão e basquete.

              Começou no Vasquinho, de Gil Néri, o técnico que dirigiu a seleção amadora de Itabuna e se sagrou campeão em vários anos. O Vasquinho disputava o campeonato no campo do bairro de Fátima. Do Vasquinho, ele foi defender o Grêmio, um dos times grandes do campeonato realizado no Campo da Desportiva. No Grêmio atuou primeiro no segundo quadro, até se firmar como goleiro do time principal. Foi campeão pelo Flamengo, duas vezes  pelo Janizaros e tetra pelo Fluminense. Como não existia televisão naquela época, costumava acompanhar o campeonato carioca nas transmissões pelo rádio. As rádios de Salvador não entravam em Itabuna, pouco se sabia dos times profissionais que disputavam o campeonato baiano na Capital. Era um leitor voraz das revistas  “Mundo Ilustrado” e “Manchete Esportiva”, que traziam lances dos times nas partidas do campeonato carioca e estampava fotos dos goleiros fazendo grandes defesas.

             Jogou ao lado e contra os melhores jogadores do futebol amador de Itabuna. O lateral Albérico, no Grêmio, Zequinha Carmo, Péricles, Tertu, Gagé, Codinho, no Flamengo, para não falar na seleção amadora com Santinho, Pinga, Ronaldo Dantas, Valdemir Chicão, Humberto, Tombinha, Abiezer, Jonga, Leto, Lua, Fernando e Carlos Riela. Ele informou que a seleção amadora de Itabuna fazia a preparação física de madrugada no Campo da Desportiva ou às vezes em alguma praça no centro da cidade. Quando o rio Cachoeira voltava ao curso normal, depois de uma grande cheia, deixava um grande areal perto do poço da Pedra do Gelo. Gostava de jogar pelada no areal. Tombinha, seu companheiro de time no Janízaros, não perdia uma pelada. Santinho era outro que participava das peladas no areal.

             No seu tempo, o clássico local mais disputado era entre o Flamengo e o Fluminense. Em um desses clássicos dos mais disputados, o Flamengo perdia de três a zero no primeiro tempo. O centroavante Caçote virou o jogo no segundo tempo, fazendo quatro gols. Os gols saíram rapidamente. Caçote parecia que estava com um demônio no corpo naquela partida. Fazia um gol atrás do outro. Ele comentou que Seu Astor era um torcedor ferrenho do Fluminense. O filho Fernando Riela estava no Rio de Janeiro e já ia assinar contrato com o Vasco da Gama. O pai mandou chamar o filho para jogar aquele Fla-Flu. Fernando Riela fez misérias nesse jogo, mas o Flamengo teve mais sorte, saiu vencedor e campeão daquela temporada.

              Na época em que passou a jogar futebol como goleiro, Luis Carlos disse que foi beneficiado na posição porque também jogava basquete, o que lhe ajudou na firmeza dos braços. Naquele tempo não existia preparador físico para treinar os jogadores amadores, quem fazia esse trabalho, no fundo do quintal ou em algum jardim, de madrugada, eram os próprios jogadores. Disse Luis Carlos que sempre foi bem recebido em todos os times que jogou, mas no Janízaros conquistou mais títulos. Da seleção amadora de Itabuna lembrava que a de 1966 era um timaço. Foi dela que saiu a base para o Itabuna se tornar um time profissional.

              Quando a seleção vencia fora de casa, informou,  o time era recebido com festa. Tinha até missa na catedral de São José. A festa continuava à noite na sede do Itabuna Social Clube onde hoje funciona o Banco do Brasil. Era ali que acontecia a grande homenagem aos atletas  com discursos de agradecimento, baile com direito à cerveja de graça e muito samba para alegrar a rapaziada. “Era uma verdadeira apoteose, feita de orgulho e felicidade. A nossa seleção transmitia amor a todos”, revelou.
 
              Com tristeza, guarda bons momentos desse tempo que não voltam mais. Existem muitas fotos que foram guardadas com carinho pelo goleiro. Olhando algumas delas hoje, podemos visualizar o Campo da Desportiva lotado nos clássicos, os ares felizes de seus torcedores quando a seleção jogava e sempre ganhava. “Não me lembro que ela tenha perdido um jogo na Desportiva”, disse Luís Carlos.

               Para qualquer jogador da região era uma grande conquista pertencer a um dos times grandes que participava do campeonato no Campo da Desportiva. O goleiro Luís Carlos não conseguiu dormir quando vestiu a camisa do Grêmio pela primeira vez. Aquilo que tanto queria deixava de ser um sonho. Relembrou uma velha Desportiva cheia de lama, o piso esburacado, a grama sem qualquer tratamento. Mas ali era o palco em que desfilaram grandes jogadores durante quase meio século. Muitos deles foram atuar em equipes profissionais de Salvador, alguns até do Rio, São Paulo e Belo Horizonte.

                 Os meios de comunicação daquela época não eram como hoje. Vivíamos isolados no interior. Ilhéus tinha um aeroporto e navegação marítima, o que facilitava seu contato com o mundo de fora. Se fosse hoje, muitos jogadores amadores do seu tempo fariam carreira em grandes clubes do Brasil, disso não tinha dúvida o goleiro Luís Carlos. A torcida de cada time e da seleção era fiel e vibrante. Quando superlotava o pequeno estádio, onde não cabia uma agulha de tanta gente, tinha torcedor que ficava no galho das árvores, no lado de fora, ao redor do campo; no telhado das casas, no terraço do prédio do Hospital Maria Goreti e no morro onde foi erguida a igreja Maria Goretti,  do bairro da Mangabinha.

                  Antes de se tornar um jogador da Desportiva, ele assistia belas partidas no estádio local e, numa delas, quando ainda era adolescente, viu de perto a atuação do Botafogo com  Mané Garrincha na velha Desportiva. “Ele deu um show de bola e só jogou um pouco no primeiro tempo. E nesse pouco tempo pagou o ingresso.”

                  Falar de alguns companheiros? Pinga era um centroavante arisco, rápido, bom controle de bola, frio na hora de fazer o gol. Zequinha Carmo era o tipo do centroavante rompedor. Deu muitas vitórias ao Flamengo em partidas decisivas. Acreditava em todos os lances, não havia bola perdida para ele. Quando todos pensavam que não ia alcançar a bola, ele a pegava e fazia o gol. Ronaldo Dantas, um zagueiro de estatura pequena, mas com ótima impulsão. Pulava acima dos atacantes altos, parecendo que tinha mola nos pés. Danielzão, por exemplo, não levava uma melhor com ele quando disputavam a bola pelo alto. Tinha uma técnica invejável, saía jogando com calma de dentro da área, depois de driblar o atacante. Abiezer era outra categoria, batia no calcanhar do atacante com toque sutil, sem ninguém perceber. Ele tinha uma técnica de desarmar o atacante que impressionava. Era um atleta magro como uma vara, mas o atacante tinha dificuldade em vencê-lo pelo alto ou com a bola no chão. Era muito eficiente. Fernando Riela, um ponteiro esquerdo que até hoje ele não  viu no Brasil outro igual. Carregava a bola pela linha de fundo, cruzava, pegava o rebote e fazia o gol.

                  Para Luis Carlos, José de Almeida Alcântara foi o prefeito que mais incentivou o futebol amador de Itabuna. Ele apoiava a seleção de Itabuna quando jogava fora de casa. Decretava feriado quando o time retornava com o título de campeão. Como prefeito foi o maior torcedor. Se Luís Carlos fosse formar a melhor seleção com os jogadores de sua geração, escolheria: Plínio, Zé Davi e Ronaldo; Valdemir Chicão, Abiezer e Hamilton; Gajé, Santinho, Jonga, Tombinha e Fernando Riela. “O excesso de bons craques amadores naquele tempo tornava difícil fazer uma escalação com os onze melhores”, observou o goleiro. Ele guarda muitas medalhas conquistadas como campeão dos times que defendeu e pela seleção. Os filhos não se interessam por futebol, mas os netos, quem sabe, poderão se tornar bons atletas, e elas servirem de incentivo para eles. Além das medalhas, o goleiro guarda com carinho e saudade alguns recortes de jornais, trazendo noticias, crônicas e muitas fotos dos tempos áureos do futebol amador de Itabuna na velha Desportiva.

                “A imprensa sempre vivenciou o nosso futebol amador em todos os momentos. Nomes como Lourival Ferreira, Orlando Cardoso, Geraldo Borges, Iedo Nogueira, Lima Galo, Edson Almeida, Raimundo Galvão e Ramiro Aquino souberam muito bem divulgar, valorizar e incentivar o esporte em nossa cidade”,  completou  Luís Carlos.

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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Vários livros publicados no exterior. Doutor Honoris Causa pela Universidade  Estadual de Santa Cruz.

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Um comentário:

  1. Fui testemunha ocular de tudo o que se citou aqui.Inclusive os nomes de todos os citados.Vi jogar todos os que foram citados.Saudade de um futebol que não se joga mais.Nem em Itabuna e nem no Brasil.

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