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sábado, 29 de setembro de 2018

O NOVO DELEGADO – Ariston Caldas

O novo delegado



            Seu Zuza tornou-se delegado de polícia nomeado pelo governador. Ele havia trabalhado com afinco na campanha e isso lhe foi decisivo para ganhar o cargo, tornando-se gente graúda na cidade. Antes disso, vivia revendendo cacau comprado a pequenos fazendeiros apertados. Depois da nomeação, sentiu-se poderoso, ficou pedante e ganhou o apelido de xerife. Passava posudo, pela rua, com a papada vermelha dobrando sobre o colarinho duro; bengala encastoada, sapatos de duas cores, terno de gabardine branco e chapéu panamá.

             - Venha cá, seu peste! Ela tratava pessoas assim. Isso o caracterizou para o resto da vida.
            No dia da posse, ainda sem muito prestígio, ele conseguiu reunir na delegacia um pequeno grupo de pessoas – a mulher, três filhos já crescidos, o dono de uma farmácia que era seu compadre, o prefeito, alguns parentes e uns curiosos espontâneos. Da capital viera um preposto da Segurança Pública que discursou depois do prefeito:

           - A partir de hoje, graças à sabedoria do senhor  governador, as famílias  desta cidade e da redondeza vão ter mais segurança e maior tranquilidade, com a nomeação de vossa Excelência!

            Antes da cerimônia da posse, o prefeito mandou fazer uma limpeza geral na casa onde funcionava a delegacia alugada pela prefeitura, e no gabinete do delegado mandou colocar uma estante nova, um arquivo de aço, sofá de madeira envernizado, carteira, ventilador e uma poltrona que arriava para trás.

            Na cidadezinha tudo era manso e todos se conheciam, daí a dificuldade de aparecer serviço para o novo chefe e para os três soldados que passavam o tempo todo jogando baralho embaixo de uma amendoeira em frente à delegacia, ou num bar que ficava na esquina; por falta do que fazer em seu gabinete, seu Zuza só aparecia por lá no início do expediente e à tardinha. Fora disso, passava o dia zanzando pela rua, prosando com os conhecidos.

            - Alguma novidade? – Indagava ao filho colocado por ele para tomar conta do gabinete, em sua ausência.

            No final do primeiro mês de seu mandato, ele preparou um relatório sobre as ocorrências registradas no período, enviando-o ao prefeito:

            - Do dia 1º ao dia 10, nada ocorreu. Já no dia 11, compareceu a esta delegacia a filha mais velha do senhor Nabuco, queixando-se de  um vizinho de prenome Eusébio que vinha jogando cascas de ovo no quintal dela. Mandei intimar o sujeito e o repreendi como mandam os bons costumes. No dia 19 a senhora Isaura dos Santos, residente na Rua Seabra, apresentou queixa contra Zeca de Tal, acusando-o de haver pronunciado nomes feios junto à casa dela. Foi intimado e repreendido. Finalmente, no dia 25, um agregado do doutor José Ferreira chegou a esta delegacia com um corte de facão no braço esquerdo, acusando pela agressão um colega de nome Joaquim Aparecido. Este foi intimado e levado para o xadrez. Instaurei depois inquérito competente e o enviei à Justiça. Estas, senhor prefeito, as ocorrências registradas por esta delegacia durante o mês corrente.

            Muitos anos depois de afastado do cargo, seu Zuza continuou gozando as prerrogativas de delegado:

            - Venho cá, seu peste!


(LINHAS INTERCALADAS  - 2ª Edição 2004)
Ariston Caldas
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Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da Bahia,  em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o periódico Terra Nossa, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio Jornal.

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