O ‘goooooool’ e o orgasmo
Durante a transmissão do jogo Brasil x México, um amigo de
esquerda pedia, como se estivesse se dirigindo aos colegas mexicanos: “Já que
vocês ganharam a eleição, deixem agora a gente ganhar o jogo”. Ainda estava 0 x
0, e ele se referia à histórica vitória, na véspera, do candidato esquerdista
Andrés Manuel López Obrador (AMLO, como é chamado), o primeiro a chegar ao
poder em seu país, contrariando a onda conservadora que varreu a América
Latina.
A seleção mexicana, porém, não “deixou ganhar”, conforme foi
solicitado por meu amigo; aliás, não facilitou nada; ao contrário, vendeu caro
sua derrota por 2 x 0, resistindo bravamente à superioridade adversária. Ao
time do Brasil, sim, se deve atribuir todos os méritos, pois realizou uma
excelente partida, talvez a melhor desta Copa, com destaque para Neymar em seu
mais bem-sucedido desempenho, redimindo-se de seus tombos, queixas e
encenações, e sendo aclamado como o melhor em campo.
Em contrapartida, o vexame foi dado pelo técnico do México
na entrevista coletiva depois do jogo. Em vez de se desculpar pelo pisão
desleal que um de seus jogadores deu em Neymar caído, fora do campo, o tal
Osório deu uma declaração machista como há muito não se via: “Futebol é esporte
de homens”. Não é verdade, é um esporte também de mulheres. Marta é uma craque
melhor do que muitos dos jogadores da seleção do México. E homem não pode ser
caracterizado como o animal que pisa o outro deitado.
Para os que reclamavam da suposta falta de interesse do povo
para com a Copa do Mundo, o desmentido veio no noticiário televisivo da noite:
em quase todas as capitais, a animação popular — a vibração, os cantos, os
pulos — tinha sido de um dia de carnaval, não de uma segunda-feira que nem
feriado era. As ruas ficaram vazias, o comércio fechou as portas e as pessoas
se concentraram em vários locais para ver o jogo e torcer como se estivessem
num estádio. Um astral bem diferente daquele que um leitor descreveu em recente
carta ao jornal: “...estamos tristes, não nos orgulhamos de nada, pelo
contrário, tudo nos envergonha e entristece”.
Como futebol é cultura, aí vai uma original descoberta. O
linguista e membro da Academia Brasileira de Letras Domício Proença Filho tem
uma teoria que explica o sucesso de Galvão Bueno pela evocação erótica de sua
narração, que nos momentos culminantes reproduz, segundo o professor, o ritmo
crescente que leva ao orgasmo: “olhogol, olhogol, olhogol, olhogol, olhogol,
gooooooooooooool”.
O Globo, 04/07/2018
Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL. Foi
eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna,
e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinelli.
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