Cansaço
Estamos num tempo cansado, tempo que não sabe mais o que
fazer de si, como não sabemos mais o que fazer ou esperar da Justiça. Outro
dia, houve o julgamento de um habeas corpus de um ex-presidente. E o
nobilíssimo Supremo Tribunal Federal revelou quanto a Justiça se mostra
exaurida. E para não julgar, com exceções, deve estar pronta para longas férias
na República. Talvez por estresse, talvez por interesses ou pressões. Pois não
vi antes um habeas esquecer provas e condenações de colegiados jurisdicionais.
Todavia, recordo os versos de Gonçalves Dias: “Meninos, eu vi!”
Antes o Supremo era o último baluarte da cidadania, hoje
tende a ser — salvo melhor juízo, e o juízo é sempre mutável —, por tal
benesse, um baluarte dos poderosos. Diz a digna presidente do Egrégio Tribunal
que o tratamento ao ex-presidente é igual a qualquer um. Mas jamais vislumbrei,
qualquer um, de repente, receber o benefício do salvo-conduto até o próximo
julgamento. E os ministros do Supremo Tribunal Federal deram à ministra Rosa
Weber a tranquilidade de exercitar a incoerência. As posições do plenário vão
mudando com as estações, ou ventos. Ou as águas das constantes chuvas de
violência que alagam a nação.
É humano que o Supremo canse, é humano que ele mereça
solenes e incessantes férias. E é previsível até que algum dos julgadores peça
vista dos autos e prolongue infinitamente o julgamento, pois a incoerência
nasce da exaustão e a exaustão, do peso de julgar, nada valendo as anteriores
decisões. Talvez também por serem todos os julgadores míopes, e só o Supremo
saiba, tenha a claridade bem-aventurada na retina. “Não vai a Roma quem quer,
mas quem pode” — advertia Machado de Assis. Todo esse processamento desvela um
aspecto, além do cansaço, dos que são mais iguais diante da lei e os menos
iguais — o mais não passa de remendo velho em pano velho.
Muitos aguardavam que viesse um vinho novo, um resultado de
equilibrada justiça, a certeza de que ninguém está acima da Constituição. Já o
tal salvo-conduto nos deixou atônitos, por inexistir precedente. Agora
assistimos ao que vier, tristes, sem laivo de esperança. Porque o cansaço do
Supremo, com exceções, é o cansaço supremo da Justiça, o recuo, o desabar de
mais altas tradições. Se não falta coragem, falta fôlego. Se não falta fôlego,
falta a ousadia no presente, que é sem futuro.
O Globo, 02/04/2018
......
Carlos Nejar - Quinto
ocupante da cadeira nº 4 da ABL, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão
de Vianna Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário