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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

OS APELIDOS ENTRAM EM CAMPO - Cyro de Mattos


Os apelidos entram em campo

          
         O humor acontecia no Campo da Desportiva e entrava para o anedotário com os apelidos dos jogadores. Balaco, Galeão, Puruca, Pedra, Tuta, Zé Prego, Sapateiro, Tenente Cotó, Ruído, Pipio,  Jeguinho, Lubião, Bacamarte e Mil e Quinhentos. No  tempo da Associação, São Cristóvão, Grêmio, Itabuna e Janízaros,  primeiros anos do Campo da Desportiva, os apelidos soavam como fantasia ou um sinal de identificação de inteira verdade.

          Apareceram tempos depois jogadores com o apelido de Camamu,   Mão-de-Tripa, Porroló. Galalau, Pantaleão, Nonô Piquete. Carrapeta,   Gajé. Chicletes,  Mundeco, Bita.  Pintado Alfaiate, Ferrugem  e  Diaço.  Dois jogadores tiveram o apelido  de Jeguinho em épocas diferentes. Eram  parentes, tio e sobrinho, jogaram no Janízaros como  zagueiro central.  Bacamarte também foi o apelido de dois zagueiros. Um  jogou na Associação, o outro no Flamengo de Paulo Ribeiro. Eram defensores vigorosos.  O chute violento de cada um deles  explodia como um tiro de bacamarte.
 
        O  apelido era tirado do sobrenome do jogador.  Carpóforo, Mangabeira, Barros, Marinho e Wense, que de vez em quando aparecia no jornal escrito como Vence. Fazia alusão a um bicho. Caxinguelê, Peba e Macaquinho. Bacurau, atacante, gostava de marcar gol no fim do segundo tempo, as sombras do entardecer  começando  a dificultar a visão da bola.

       Às vezes,  a expressão composta de nome e apelido formava o chamamento inusitado.  Eliezer Melgaço, Orlando Anabizu, Ronaldo Chiranha, Edson Gasolina, Alberto Pastor, Valdemir Chicão. Ou consistia em um composto sonoro, com  entonação agradável de ser pronunciada.  Carlos Riela, Fernando Riela, Plínio Assis.  Alguns apelidos revelavam que o seu dono era um jogador de recursos técnicos e possuía um futebol de alto nível. Doutor Clóvis, Professor Juca, Mestre  Delicado.

         Havia Tombinho e Tombinha. O primeiro jogou na Associação, ponta-direita,  de estatura pequena,  o corpo redondo tombava a todo instante, era só o marcador disputar a jogada com o ombro ou encostar nele, mesmo de leve.   Tombinha jogava para o time, não aparecia durante o decorrer da partida. Poucas eram as pessoas que o conheciam quando se falava em  Manoel Marques. Se você falasse em Tombinha, as façanhas do jogador mais catimbeiro que atuou  no Campo da Desportiva eram lembradas por jogadores e desportistas.
  
         Corria no jogo  apelidos com o nome de mulher. Odete e Vanda. Do último se sabe que a alcunha veio da infância. O menino tinha os cabelos grandes e usava trança, a mãe achava-o parecido com uma menina, daí  ter dado ao filho o apelido de Vanda. De tanto os irmãos chamá-lo  pelo apelido, pegou feito visgo.   Também o craque Santinho trouxe o apelido da infância.  Familiares que viam o menino dormindo  diziam que “ele parece um santinho.”

              Uns aludiam a peixe. Piaba,  Peixe-Louro. Outros lembravam um bicho. Caxinguelê. Gato Preto, Aranha, Macaquinho, Ratinho. E ainda outros davam a entender que o jogador tinha outra nacionalidade. Sírio, Sueco, China, Gringo, Americano, Paraguaio.  Para não se falar do apelido indicando que ali no dono  estava  um jogador igual a um corredor nato. Velocidade, Carlito Agonia. Chegavam a ser reverenciados pelos seus admiradores como os filhos do vento, tanto eles corriam. O apelido de Zé Pretinho e Louro revelavam a cor do distinto jogador,  claro.

            Pelé-Cotó. Brezegue, Dinho do Roque, Rocha.  Zezé, Zezeco, Zelinho. Balancê da Mata, Mateirinho, Sami.  Boca-Rica. Charuto,  Barril, Tertu. Lau, Leto, Lua. Caxanga,  Pedrinha, Roliço. Raminho, Bento, Perivaldo. Deti, Bira, Quinho. Neguinho, Maninho, João Som, Gel, Coroinha.

             Qual desses era o melhor, o mais ou menos  e o pior? O artista e o mais eficiente? No começo, meio ou fim de carreira? Qualquer atividade humana é feita com gradações como resultado de quem a exercita. É assim também com o futebol,  um jogo coletivo no qual cabem diversos protagonistas. Nesse esporte, a individualidade  surge com o coletivo. Não importa o apelido, haverá sempre os que se sobressaem,  os que rendem pela eficiência e os que ficam no anonimato.

               Vevé,  Zeferino,  Colatino,  Madeira. Manchinha,  Caticuri, Vivi, Zezito Agonia. Marão, Tindola,  Zoinho,  Mudo.  Noca, David Pintado,  Nocha.   Macarrão, Roseno,   Daú.  Nenzinho,   Jonga,  Beca. Neném, Pinga,  Zé Neguinha,  Nininho.  Abissínia,  Bié.   Mamão.   Justo,  Bel,  Wilson Longo.  Zequinha  Carmo,   Zé Moleque,  Zé Reis. Patuca,   Mágoa, Chico.

             Cada um com a sua classe, seu esforço, sua graça. Levava o torcedor ao pequeno e prazeroso Campo  da Desportiva  para aplaudir, vaiar ou sorrir,  do primeiro ao último minuto do jogo.
     
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Cyro de Mattos – é baiano de Itabuna. Escritor e poeta, Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Sul da Bahia). Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna.

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