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quinta-feira, 4 de maio de 2017

CRIMES SÃO CRIMES


  COM A DIVULGAÇÃO dos primeiros inquéritos decorrentes da maior delação da história do Brasil, ressurge uma discussão que, em sua essência,  mais esconde do que revela: o que é mais insultuoso, trapacear para enriquecer ou para vencer as eleições? Coube ao juiz Sergio Moro, o comandante da Lava- Jato, em Curitiba, abordar a questão em termos cristalinos. Em uma palestra  na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o juiz disse o seguinte:

          - Temos de falar a verdade, o caixa dois nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e a coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu o utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear em uma eleição, isso para mim é terrível.

            O raciocínio do juiz está fincado na melhor lógica democrática. Os políticos enrolados querem fazer crer que o caixa dois é um ilícito menor, quase desprezível, e, portanto digno de uma anistia geral. Caixa dois é fraude da vontade popular, é agressão à democracia. O Supremo Tribunal Federal, no qual correm agora os inquéritos sobre a elite política do país, não tem interpretação unânime sobre a questão. Mas há sinais alentadores. A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, já disse, mais de uma vez, em entrevistas  e em votos na corte, que “caixa dois é um ilícito”. O ministro Luís Roberto Barroso também tocou no assunto e jogou luz no debate: “Caixa dois e corrupção podem ser coisas diferentes, mas ambos são crimes”.

            Não se tem notícias de um país democrático que tenha conseguido eliminar a corrupção eleitoral, mas a questão do caixa dois, se enfrentada com leniência excessiva,  só adiará a moralização das campanhas eleitorais. E moralizá-las é um dado essencial para que a democracia brasileira possa robustecer-se e subir de patamar.


Revista VEJA
Carta ao Leitor - Edição 2526, 19 de abril de 2017

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