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domingo, 3 de dezembro de 2017

O MENINO GRAPIÚNA - Jorge Amado

Para o menino grapiúna – arrancado da liberdade das ruas e do campo, das plantações e dos animais, dos coqueirais e dos povoados recém-surgidos -, o internato no colégio dos jesuítas foi o encarceramento, a tentativa de domá-lo, de reduzi-lo, de obrigá-lo a pensar pela cabeça dos outros. A intenção do pai era apenas educá-lo no melhor colégio, o de maior renome. Não se dava conta de como violentava o filho.

Essa mesma sensação de sufoco, de limitação, eu voltaria a sentir mais de uma vez no decorrer de minha vida. No desejo de bem servir causas generosas e justas, aconteceu-me aceitar encargos e desempenhar tarefas de meu desagrado – durante dois anos, Por exemplo, fui deputado federal, apesar de não ter vocação parlamentar nem gosto para o cargo. Da mesma maneira, por idênticos motivos, em certas ocasiões admiti e repeti conceitos, regras e teses que não eram minhas, pensei pela cabeça dos outros.

No colégio dos jesuítas, pela mão herética do padre Cabral,  encontrei nas “Viagens de Gulliver” os caminhos da libertação, os livros abriram-me as portas da cadeia. A heresia do padre Cabral era extremamente limitada, nada tinha a ver com os dogmas da religião. Herege apenas no que se referia aos métodos de ensino da língua portuguesa, em uso naquela época, ainda assim essa pequena rebeldia revelou-se positiva e criadora. A heresia é sempre ativa e construtora, abre novos caminhos. A ortodoxia envelhece e apodrece idéias e homens.

A longa e dura experiência ensinou-me, no passar dos anos, a importância de pensar pela própria cabeça. Para pensar e agir por minha cabeça, pago um preço muito alto, alvo que sou do patrulhamento de todas as ideologias, de todos os radicalismos ortodoxos. Preço muito alto, ainda assim barato.

(O MENINO GRAPIÚNA Cap.15)

Jorge Amado

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