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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A ACADEMIA DOS REBELDES - Jorge Amado


A Academia dos Rebeldes


Procuro num milagre de imaginação, reviver no dia de hoje o  adolescente magro, membro da Academia dos Rebeldes, na Bahia, nos anos de 1928 a 1930. Pequeno aprendiz de escritor em cerrada fita com outros de sua idade e condição, levantava-me em imprecações contra a Academia Brasileira e toda a literatura de então, disposto a arrasar quanto existia, convencido de que a literatura começava com a minha incipiente geração, nada devendo-se fizera antes do nosso aparecimento, nenhuma beleza fora criada,  nenhum resultado obtido. Que diria o jovem de dezesseis anos, assombrado ante a vida e o mundo, solto ao mistério da Bahia, ao ver o quase cinquentão de hoje, envergando fardão, espadim e colar acadêmico. Dentro de mim, senhores, neste coração que resiste a envelhecer, ouço o riso moleque do rebelde um busca de caminho. Rio-me com ele, não há entre nós oposição, não existem divergências fundamentais entre o menino de ontem e o homem de hoje, apenas um tempo intensamente vivido. São muitos homens em diversas idades a encontrarem-se nessa tribuna somados num homem maduro, mas ainda de experiência e vida vivida que de idade.

Posso assim rir um riso bom com aquele velho companheiro o adolescente que eu fui nas ruas e ladeiras da Bahia plenamente jovem e plenamente rebelde. Rebelde e não ainda revolucionário resulta do conhecimento e da consciência.

Aproveito este momento para falar-vos do perigo a pesar sobre esta Academia e vossa glória pelos idos de 1929. Perigo grave e sério não sei se esta instituição chegou a se dar conta de como esteve de morte ameaçada. Porque naquele ano num primeiro andar do Largo do Terreiro de Jesus, na cidade de Salvador, alguns jovens se reuniram e fundavam a Academia dos Rebeldes. Alguns desses moços são hoje nomes conhecidos e admirados: o poeta Sosígenes Costa, o contista Dias da Costa, mestre Edison Carneiro. Outros não puderam completar sua cara vocação de escritor, levados uns pela morte, como o romancista João Cordeiro, outros pela vida, como o poeta Alves Ribeiro ou o romancista Clóvis Amorim.

Acolhera rebelde Academia num gesto talvez impensado, uma sala destinada a sessões espíritas, atmosfera mística e misteriosa, com um retrato de Alan Kardec e um obsessionante desenho de almas transmigradas a impressionar nossas desabrochadas imaginações. Nosso programa era simples, efetivo e imenso: arrasar definitiva e completamente o já existente e construir o monumento de nossa literatura. Meta primeira alcançar a Academia Brasileira, substituí-la por nossa Academia de Rebeldes. Saímos de nossa primeira reunião eufóricos e convencidos: seria assunto de pouco tempo o fim da Academia inimigo e a pujança de literatura que transpirava por todos os poros.


(TRECHO DO DISCURSO DE POSSE NA ABL)
 Jorge Amado

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Jorge Amado - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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