A Academia dos Rebeldes
Procuro num milagre de imaginação, reviver no dia de hoje
o adolescente magro, membro da Academia dos Rebeldes, na Bahia, nos anos
de 1928 a 1930. Pequeno aprendiz de escritor em cerrada fita com outros de sua
idade e condição, levantava-me em imprecações contra a Academia Brasileira e
toda a literatura de então, disposto a arrasar quanto existia, convencido de
que a literatura começava com a minha incipiente geração, nada devendo-se
fizera antes do nosso aparecimento, nenhuma beleza fora criada, nenhum
resultado obtido. Que diria o jovem de dezesseis anos, assombrado ante a vida e
o mundo, solto ao mistério da Bahia, ao ver o quase cinquentão de hoje,
envergando fardão, espadim e colar acadêmico. Dentro de mim, senhores, neste
coração que resiste a envelhecer, ouço o riso moleque do rebelde um busca de
caminho. Rio-me com ele, não há entre nós oposição, não existem divergências
fundamentais entre o menino de ontem e o homem de hoje, apenas um tempo intensamente
vivido. São muitos homens em diversas idades a encontrarem-se nessa tribuna
somados num homem maduro, mas ainda de experiência e vida vivida que de idade.
Posso assim rir um riso bom com aquele velho companheiro o
adolescente que eu fui nas ruas e ladeiras da Bahia plenamente jovem e
plenamente rebelde. Rebelde e não ainda revolucionário resulta do conhecimento
e da consciência.
Aproveito este momento para falar-vos do perigo a pesar
sobre esta Academia e vossa glória pelos idos de 1929. Perigo grave e sério não
sei se esta instituição chegou a se dar conta de como esteve de morte ameaçada.
Porque naquele ano num primeiro andar do Largo do Terreiro de Jesus, na cidade
de Salvador, alguns jovens se reuniram e fundavam a Academia dos Rebeldes.
Alguns desses moços são hoje nomes conhecidos e admirados: o poeta Sosígenes
Costa, o contista Dias da Costa, mestre Edison Carneiro. Outros não puderam
completar sua cara vocação de escritor, levados uns pela morte, como o
romancista João Cordeiro, outros pela vida, como o poeta Alves Ribeiro ou o
romancista Clóvis Amorim.
Acolhera rebelde Academia num gesto talvez impensado, uma
sala destinada a sessões espíritas, atmosfera mística e misteriosa, com um
retrato de Alan Kardec e um obsessionante desenho de almas transmigradas a
impressionar nossas desabrochadas imaginações. Nosso programa era simples,
efetivo e imenso: arrasar definitiva e completamente o já existente e construir
o monumento de nossa literatura. Meta primeira alcançar a Academia Brasileira,
substituí-la por nossa Academia de Rebeldes. Saímos de nossa primeira reunião
eufóricos e convencidos: seria assunto de pouco tempo o fim da Academia inimigo
e a pujança de literatura que transpirava por todos os poros.
(TRECHO DO DISCURSO DE POSSE NA ABL)
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Jorge Amado - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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