Total de visualizações de página

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

MEU PAI É O MÁXIMO! - Mírian Warttusch

Meu pai é o máximo!


Sabem aquele amigo que você espera que seu pai seja? Conselheiro, humano, sempre presente, um super-homem, um pai herói? Assim era meu pai e no dia em que ele se foi, me senti órfã em toda a acepção da palavra, pois desde menina sempre fomos tão ligados, que eu imaginava, nunca nos separaríamos.

Era incrível seu carisma! Me ensinou coisas maravilhosas que todos os pais deveriam ensinar aos seus filhos, o respeito, a honestidade, a integridade e a fé e foi quem primeiro me fez sentir amor pela natureza, pois minha infância foi ponteada de lindíssimos dias que passávamos na Mata Paula Souza e ele me contava histórias maravilhosas sobre aquela pequena floresta incrustada no coração do nosso bairro, e nesses passeios cantávamos felizes, e para chegarmos ao local meu pai me levava na garupa de sua bicicleta; um dia nos perdemos na mata e meu pai ficou realmente muito preocupado, mas recordo que não senti medo, pois ele me passava muita segurança, era o meu protetor - meu pai herói -  uma pessoa realmente iluminada!

Muitas vezes o Juca nosso amigo, nos acompanhava; tinha uma voz tão linda e privilegiada – havia ganho vários prêmios em concursos de calouros – que nos deixava embevecidos ao cantar e tocar violão e nós fazíamos verdadeiras serenatas ao ar livre e voltar para casa era sempre algo doloroso, tal a felicidade que sentíamos nesses contatos tão maravilhosos com a natureza.

Lembro-me bem dos animais e aves que muitas vezes vimos e nunca esqueço de um tatu bola que alguém matara e deixara ali, e nessas trilhas os caçadores dizimavam os tatus que então imperavam em nosso bairro e foi graças a eles que a região foi batizada de “Tatuapé”! Mas a magnífica floresta foi sendo aos poucos derrubada, tanto mais a população do bairro crescia e hoje, em seu lugar, se instalou o Morumbizinho de São Paulo, o luxuosíssimo Jardim Anália Franco.

Meu pai trabalhava muito para nos dar conforto e bem estar; era Gerente Industrial do Lanifício Santa Branca, situado à rua Almirante Calheiros no Tatuapé e durante a época – anos 50 - em que se instalou  no Brasil uma das mais graves crises energéticas, o então Presidente da empresa, sr Carlos Casnatti, um abastado e generoso imigrante italiano, que fez de sua indústria uma das mais renomadas, respeitadas  e conceituadas do ramo têxtil no país, via com desgosto sua fábrica parar pelos constantes cortes de energia que duravam bem de meia hora a quarenta minutos por dia.

Decidiu, assim, importar um gerador de força da Alemanha, que chegou ao porto do Rio de Janeiro em meados do ano de 1955, mas não pode ser desembarcado pois a planta com o croquis da máquina havia se extraviado na viagem e meu pai, por falar fluentemente o alemão e conhecer profundamente o ramo da mecânica e eletricidade, foi escalado para entrar no gerador, que tinha bem uns três metros de comprimento, verificar peça por peça, montar uma nova planta, que passou pela aprovação de dois engenheiros da alfândega e então pode desembarcar. São histórias que me orgulho de contar.

Entanto, apesar de seu trabalho exaustivo na tecelagem, dedicava grande parte do seu tempo, também para atender a comunidade “Bezerra de Menezes”, localizada à rua Omachá no Bairro da Penha – por 40 anos esteve ativo naquela entidade - cuidava das instalações elétricas, fazia todos os consertos hidráulicos e além disso saía todos os sábados com a perua do Abrigo para angariar alimentos no Ceasa e se tornou um verdadeiro ídolo, tão amigo era dos idosos! Ajudava-os a comer, lhes dava banho, confortando-os e lhes dando amor, e isto não denegria a sua imagem de homem de negócios, ao contrário, por sua irrestrita humildade, sempre o senti respeitado por todos que o  conheciam como “alemão”.

Fazia palestras no Auditório do Abrigo e  era um orador que emocionava pela profundidade dos seus discursos e sempre me lembrarei de meu pai como uma pessoa muito especial, que certamente viverá não somente no meu, mas no coração de quantos puderam conviver com ele, tal a grandiosidade do seu coração, e é graças a tudo que de melhor esse homem foi não somente para nós, sua família, quanto para seus amigos e aqueles de quem ele tão carinhosamente cuidou, que nesta semana dedicada aos pais, quero render-lhe minha filial homenagem e agradecer-lhe emocionada pela maravilhosa infância que me proporcionou, e quem lhe agradece, pai, é aquela menina que ainda vive dentro de mim, fazendo com que eu me sinta sempre jovem e cheia de amor pela vida, pois isto você me ensinou muito bem, encarar tudo com otimismo e jovialidade, não importando nossa idade biológica.

E quero dizer-te, pai, que mais ainda te admiro já que tua infância foi triste e desprotegida, pois ainda uma criança, viveste o drama de ter teus pais separados e nenhum dos dois te queria, e muitas vezes - nos contavas – chegaste a dormir no Mercado da Cantareira e comer as frutas que os comerciantes jogavam fora. Mas tiveste um anjo bom que te ajudou,  uma mulher grandiosa, a segunda esposa de vovô – ela viveu muito pouco, pois morreu ao dar à luz uma menina, tua única irmã, Ema -  que, com pena daquele lindo e loiro menininho que tu eras, conseguiu matricular-te no Colégio Alemão na Moóca. Ela te estimava, mas vovô não queria os vínculos do passado no seu novo lar, e cada vez que vovó te mandava lá da Penha, com uma moedinha na palma da mão, para que tu fosses ter com teu pai na Vila Prudente, e ela pudesse estar com seu novo companheiro, conhecido como Joanim, lá chegando, ele te dava outra moedinha e te mandava de volta; rejeitado, tu não tinhas para onde ir.

Albertina Mayer era o nome de vovó, de origem polonesa – nascera na fronteira entre a Rússia e a Polônia – conhecera  vovô José tão logo chegara ao Brasil, em 1903, indo para a colônia agrícola em Curitiba, e nada do que o governo prometera era real, pois as árvores que eles precisavam derrubar, podiam ser abraçadas por vários homens e assim, decidiram vir para São Paulo tentar a sorte, vovó como tecelã e vovô como eletricista, mas ele realmente não trabalhava, vivendo às custas de sua mulher e assim, corajosamente, ela optou pela separação, pois, além de beber demais, vovô era tão agressivo, que chegou a matar o segundo bebê que vovó esperava, chutando com violência sua barriga; após perder esse bebê, ela passou a ter sérios problemas de saúde, que se agravaram ao longo dos anos e depois do casamento de papai – ele estava então com 19 anos -  ficou por muito tempo internada na cidade de Santo Ângelo num Alojamento de quarentena para doenças infecto-contagiosas, para tratamento de hanseníase, e quem alertara papai sobre a doença dela, fora mamãe, que percebera algumas manchas brancas pelo corpo de vovó. Papai temia o contágio, pois eu e minha irmã éramos muito pequenas, e sofria as críticas da família pelo afastamento de vovó do seu convívio, mas ninguém queria ficar com ela em sua casa – todos moravam na rua Betari, próximo ao Colégio dos Padres e onde é hoje o Shopping Penha.

Vovô era mesmo muito violento, e mamãe conta que quando ela estava esperando minha irmã nascer – era a primeira filha – ele fez com que ela ficasse na rua, um dia inteiro, não a deixando entrar em casa, pois queria o violão de papai para vender e mamãe não queria dar, e ele esperou papai chegar e, numa tocaia, à frente de nossa casa, ele atacou papai com um canivete, nada grave, pois com medo, ele fugiu covardemente. Sumiu de verdade e apenas sabíamos que ele morava nos cortiços do Brás, jogado pelas calçadas, bêbado como um enjeitado e papai o procurava, dando-lhe dinheiro, penalizado por essa situação, mas ele não queria ajuda e meu pai chegou a conseguir algumas internações para tratamento do vício, mas ele sempre dava um jeito de fugir, muitas vezes vestindo apenas o camisolão do hospital e foi somente quando estava muito doente mesmo, com a perna gangrenada, que ficou em nossa casa por uns 15 dias, até morrer, e como não tinha um acompanhamento médico de sua doença, precisou ser autopsiado e o camburão da polícia veio retirá-lo  de madrugada em nossa casa, colocando-o num horrível caixão de alumínio, que jamais vou esquecer enquanto viver; nenhum médico amigo nosso quis fazer o laudo do óbito, pois temiam implicativas posteriores.

Assim, me pergunto, por que alguns se transformam em marginais, pois apesar de não ser tão simples, é possível ser um homem de bem, mesmo frente a tantas dificuldades. Meu pai  tinha tudo para seguir o mau caminho, mas foi um exemplo! E quanto me orgulho dele! Teus netos, que adoravas, Fábio, Maurício e Jairo (meus filhos) e Fernando, Cíntia e Mariana (filhos de meu irmão Gilberto) te guardarão para sempre em seus corações, como o avô inesquecível das horas mais queridas!

Nosso tributo eterno a você, meu grande e maravilhoso pai, Alfredo Wartusch!

Qualquer dia lhes conto outras lindas histórias sobre meu pai e eu.


TU ÉS MEU PAI!


Na cor azul do teu olhar cansado,
Doce remanso a espargir amor,
No brilho vítreo, desse olhar amado,
Leio-te a alma, meu pai, meu confessor!

Das tuas mãos, todo carinho tive;
Lembranças boas, lembranças preciosas.
Tão grandes mãos, amparo no declive,
Prontas pro trabalho - mãos laboriosas,

No teu semblante, vejo o meu semblante:
Os mesmos olhos, na mesma feição...
Se sou assim, de ti, tão semelhante,
É igual ao teu também meu coração.

Lembro-me ainda, quando era menina,
Nesta lembrança em que minh’alma pousa,
As belas tardes – que coisa divina!
Que nós passávamos no Paula Souza!

Tão pequenina era, mas, recordo,
Daquelas matas não tinha medo não...
Não tinha medo – com isto concordo -
Por estar segura pela tua mão.

Mas, que aflição! Um dia nos perdemos,
Naquelas matas tão acolhedoras...
Ah!... De repente, com o caminho demos.
Belas surpresas, tão encantadoras!

Lembro a varanda, sempre onde ecoava,
O acorde doce da nossa canção,
E “A Marambaia” eu então cantava,
Acompanhada por teu violão.

A minha vida era uma canção...
Eu te adorava, sem te dar descanso!
Se não estavas, eu brincava, então,
Voando, como os anjos, no balanço!

Me amavas muito, pai, e preferida,
Eu abusava, até, dos meus direitos.
Sabia ser amada, ser querida,
- Pra você eu não tinha defeitos –

Quando sorrias, com teu ar de monge,
Adivinhando tudo, muito esperta,
Sabia que tu, me levarias longe,
A passear em tua bicicleta.

Com tão pouco, feliz, eu exultava!
Estar contigo, pra mim era a glória.
O tempo, ligeiro, então passava,
Cada passeio era uma vitória!

Te orgulhavas de mim, meu pai querido!
Linda menina eu era... e muito prosa,
Mesmo metida num simples vestido,
Sabia ser pra ti a mais formosa!

Sei que também recordas com saudade,
Aquele tempo de encantamento!
Tempo feliz, de tua mocidade,
Que se esfumou, levado pelo vento!

Todos os sonhos, que juntos sonhamos,
Se perpetuam na nossa lembrança;
Outrora, tão felizes, olvidamos,
Que deixarias de ser jovem, e eu criança!

Nada nos resta, mais que esta lembrança,
Que esta saudade, que este triste apelo:
Se no passado, fui tua criança,
Hoje és meu velho, de branco cabelo!

São Paulo, 8 de agosto de 1971 (Dia dos Pais)


MÍRIAN WARTTUSCH

* * * 

Nenhum comentário:

Postar um comentário