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domingo, 30 de julho de 2017

O QUE APRENDI COM AS CIGARRAS - por Malu De Falco

Seja hoje. Seja a melhor pessoa, a melhor mãe, pai, irmão e namorado. Encare suas limitações, procure quem você ama, esteja por perto dessas pessoas. Se afaste quando sentir necessidade da sua companhia, esclareça pontos que te sufocam, e, acima de tudo, não esqueça de respirar. Em hipótese alguma deixe de inspirar e expirar.
Inspire o mundo, expire sentimento. Inspire o medo, expire coragem. Inspire e expire você. Inspire solidão e expire o outro.

Estava sentada em qualquer jardim, envolvida em algumas lembranças. Respirei fundo e senti um aroma que me lembrava alguns pedaços de vida. Ouvia o soar das cigarras. Quando era criança, morria de medo delas. A moda do jardim de infância era acoplar o maior número de carapaças de cigarras ao uniforme da escola. Piscava-se e surgia dali uns segundos alguém desfilando com seu novo broche. A arte de achar uma carapaça pequena era símbolo maior de charme e ostentação. Eu permanecia mordendo os cantos do lábio desejando um dia ter coragem de segurar uma carapaça daquelas e não sentir medo. Monotonias vazias, hiperativas e cheias de graça.

Muito se olha para fora. Calcule quantas vezes ao dia você olha o celular. Alguns estudos sugerem que olhar o mesmo aplicativo mais de dez vezes ao dia já sinaliza vício. Você se julga um viciado em algum desses aplicativos? Quantas vezes você se desliga do que acontece em volta para checar o celular ou olhar para qualquer distração insignificante? Quantas vezes você vê a vida passar, o passo passar, o trem ir embora e alguém se perder? Quantas vezes te aconselharam que você viva? Eu te aconselho diferente. Aconselho que seja. Seja em todos os sentidos, em todos os momentos. Seja o presente, seja para viver. A melhor pessoa no que trabalha, o melhor motorista de São Paulo ao litoral, o melhor degustador de café, e o melhor bebedor de cerveja. Pode me considerar alguém competitivo, e eu de fato estimulo que trave uma competição, desde que ela tenha dois fatores fundamentais: ser saudável e travada consigo mesmo. Não tente superar o outro, o colega na baia ao lado, a mãe, o irmão, o namorado. Supere você mesmo diariamente, se surpreenda e se desafie. Entenda que o segredo de ser está em olhar para dentro, o tempo inteiro. É olhando para dentro que se entende melhor o que está fora, e é desse modo que se ajuda melhor a si e ao outro.

Por exemplo, se você insiste em não falar "não" para uma função para qual se julga incapaz de cumprir no momento ou por falta de habilidade, vai gerar um estresse enormesobre seus ombros e a ansiedade pode ser insustentável. Ao mesmo tempo, poderá acarretar prejuízo para quem contava com seu trabalho, que será frustro. Aprenda a olhar para dentro e avaliar as suas necessidades e possibilidades naquele momento, para aquele dia.

Seja hoje. Seja a melhor pessoa, a melhor mãe, pai, irmão e namorado. Busque a criatividade na rotina, escreva uma carta, compre flores para você, mande flores para alguém, dance em uma festa junina, vá comer pastel hoje e pão de queijo amanhã, corra dez quilômetros ou caminhe por um e meio. Encare suas limitações, procure quem você ama, esteja por perto dessas pessoas. Se afaste quando sentir necessidade da sua companhia, esclareça pontos que te sufocam, e, acima de tudo, não esqueça de respirar. Em hipótese alguma deixe de inspirar e expirar. Inspire o mundo, expire sentimento. Inspire o medo, expire coragem. Inspire e expire você. Inspire solidão e expire o outro.

Vivemos em um mundo egoísta, é sabido, em que as pessoas tem para si que para alcançar o amor próprio precisam se apossar de decisões inflexíveis e deixar de pensar no outro. Isso costuma afastar as pessoas. Entenda: é preciso ceder, inevitavelmente. O que há para aprender é que não se pode e nem se deve ceder sempre. Não se pode agradar sempre, nem a si, nem ao outro. Ao contrário, estaríamos todos em uma praia open bar vinte e quatro horas ao dia. Porém, quando possível, deve-se explorar ao máximo o presente para agradar a si, e, quando consoante, também ao outro. Ceda para conviver bem, dentro dos seus limites. Valorize quem está ao seu lado como se estivesse a um segundo de perder, suas atitudes para com quem você quer ao seu lado serão determinantes para perpetuar quem vai continuar com você e quem vai decidir que você deve seguir sozinho.

Não escolha viver sozinho, isso pode parecer insustentável a algum momento e eu posso apostar que um dia você vai derramar lágrimas ao ler alguma frase clichê pintada em um muro da vila madalena: alguém, definitivamente, precisa ceder. Então ceda e tenha o cedido, por você e por suas relações. Olhe para dentro agora. Acenda e apague suas luzes internas. Termine e recomece seus processos mal esclarecidos e esteja pronto para arriscar ser, cem por cento e sem afobação. Largue o medo, deixe de ansiedade, as coisas podem dar errado ou dar certo. Invista na possibilidade do certo, você sempre vai se sair melhor tentando, e eu te aconselho tentar para valer, sempre. Não tente pela metade, coloque você em cada parte e lute pelo que você quer, sonha, imagina ou respalda.

Não seja a menina ou o menino que se rende a cigarra. Seja o caçador de cigarras, lute por suas carapaças e desfile todas elas no escorregador. Pegue todas que quiser, e antes de entrar nessa, olhe para dentro de você e ache a coragem que está ali dentro enterrada. Desenterre essa coragem, e vá em frente. Vá caçar todas elas, distribua seus presentes, se aposse de você e expire suas partes plenas e felizes. Não seja a criança amargurada e egoísta com medo da vida e do que vem depois. Seja hoje, faça hoje. Coma, abrace, chore, ajoelhe, reze, deite, descanse, beije, discuta, profira, pregue, ensine, namore, dê um presente, fale, sinta, assuma, peça em casamento, entre em uma ciranda, cozinhe uma moqueca. Hoje. Plena e conscientemente hoje. Não tenho mais medo de cigarras. Não tenha você também. Vamos levar para a vida uma cesta delas, por todo vivas e emanando qualquer som de madrugada florida.


MALU DE FALCO
Sou de amor por livros, café de museu, poltrona do Tate Modern, passagens aéreas, chocolate quente, cheiro de chuva, reler velhas cartas e vinho. Sou de vida e de oxímoros, extremamente a favor do bom humor.
Saiba como escrever na obvious.



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