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segunda-feira, 10 de abril de 2017

BRINCANDO DE MEU – Marília Benício dos Santos

Brincando de meu


          Antonia está se preparando para sair. Batem à porta do barraco. São duas crianças, suas vizinhas.
          - D. Antonia, deixe-nos ir com a senhora.
          - Já levo o Marcelinho no colo. Não gosto de sair com menino grande. De repente some.
          - D. Antonia, a gente promete que obedece. A senhora não vai a Ipanema? É tão bonito! Leve a gente.
          - Tá bom. E o dinheiro da condução? Não sei se o motorista vai deixar entrar pela frente.
          - Deixa. Mas eu tenho dinheiro. Mamãe deu pra gente.
          Antonia morava no Jacarezinho. Como o companheiro fazia vários meses estava desempregado, resolveu aderir à mendicância. Fazia ponto na Igreja N. S. da Paz. Depois de muitas recomendações, acedeu em levar as crianças. Felizmente o motorista os deixou entrar pela porta da frente. Sérgio e Marina vibraram de contentamento. Cada um escolheu uma janela e, absortos, olhavam tudo por onde passavam. Chegaram na Praça General Osório, ponto terminal. Saltaram. Os dois iam à frente e Antonia um pouco atrás.
          Naquela manhã, Lígia, uma jovem e bonita senhora saía com o netinho para tomar um pouco de sol. O dia estava tão bonito que tomou o lugar da babá.
          - Hoje quem vai sou eu – disse. E muito alegre saiu empurrando o carrinho do Júnior. 
          - Dona, me dê uma roupinha deste menino para meu filho.
          - Só com a mãe dele.
          - Então me dê um trocado. Ajude-me dona.
          - Infelizmente não tenho. Estou sem bolsa.
          Lígia, penalizada porque não pode atender àquela senhora, seguiu em frente. Olhou para aquelas duas crianças, tão contentes que apesar da pobreza, saltitavam cantarolando. De repente uma convidou a outra para brincar de “meu”.
          - Vamos brincar de “meu”?
          - Vamos – respondeu a outra.
          E imediatamente, apontando para a vitrine onde estavam expostos móveis de luxo, disse:
          - Meu.
          Na outra vitrine havia uma mobília de sala de jantar. A menina, apressadamente, disse:
          - Meu.
          E saíram disputando de brincadeirinha tudo de bonito que os olhinhos podiam perceber. Lígia acompanhada a brincadeira achando graça, embora de certa forma triste.
          Num dado momento, ela percebeu que iam passar por uma pastelaria. Pensou: “Agora, será que vão brincar de ‘meu’ aqui também?”. Ficou esperando a reação dos dois. Não deu outra.
 Cada qual apontava para uma das tortas e doces ali na vitrina. “É meu”. “Aquele ali do canto é meu, foi eu que vi primeiro”. E as crianças paradas ali pareciam comer com os olhos as tortas e os bolos expostos. Lígia, com os olhos cheios d’água, também ali parada, não podia nada fazer.
“Se tivesse algum dinheiro, compraria pão doce, pelo menos”. Teve uma ideia: “Vou levá-los até em casa. Ontem fiz um bolo de chocolate”. E aproximou-se da Antonia.
          - Vou até em casa com eles.
          Mas como fazer para encontrar-me com você?
          - Eles sabem onde costumo ficar. É na porta da Igreja N. S. da Paz. A senhora terá que voltar com eles. Eles não conhecem nada aqui. Obedeçam à dona.
          - Não se preocupe, eu os trarei de volta.
          Saiu muito satisfeita, levando os dois garotos. Lígia morava na Rua Nascimento Silva, num apartamento de luxo. Ao entrarem, as crianças ficaram admiradas, uma olhava para outra assombrada. Num dado momento, Sérgio disse para sua irmã:
          - Parece que estou sonhando, Marina!
          Lígia os conduziu até em cima, fazendo entrar pela portaria social. Chegando em casa, fez sentarem-se à mesa da copa. Mandou servir um lanche: bolo de chocolate e um copo de Nescau. Eles comiam apressadamente. Pareciam estar com medo de que alguém lhes tirasse.
          - Sérgio, agora a gente não está brincando de “meu”.
          - É mesmo, Marina. Nem estou acreditando.
          - É verdade, sim. Já até me belisquei – disse Marina.
          Enquanto os dois saboreavam o delicioso lanche, entra Therezinha, a filha mais velha de Lígia. Vinha com o filho de sete anos, o Ricardo. Ficou muito espantada ao ver aquele tipo de criança ali presente. Foi entrando, à cata de sua mãe. Ricardo ficou na copa. Olhava as crianças.
          - Mamãe! Mamãe! Quem são estes?
          Lígia, emocionada passou a relatar com todos os detalhes o que tinha acontecido.
          - Você já pensou filha, dois meninos olhando uma vitrina com tortas, doces de várias espécies, a brincar de “meu”?
          - E você resolveu aderir à brincadeira? Brincar de “meu” também? Minha mãe, você é muito jovem para estar com esclerose.
          - Por que isso agora? O que a levou a pensar que eu estou esclerosada?
          - Mamãe, do jeito que as coisas andam você traz dois pivetes para dentro de casa?
          Lígia, um pouco temerosa, foi ver as crianças. Elas não estavam mais ali...


(Aguarde o final deste conto... )


(O CORAÇÃO NÃO ENVELHECE)  

Marília Benício dos Santos - Rio de Janeiro-RJ – l987

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