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sexta-feira, 31 de março de 2017

CAIPORA - Marília Benício dos Santos

Caipora


          No meu tempo de criança, vivia apavorada com a caipora que, na época, era cantada e decantada.
Costumávamos passar as férias na Fazenda Guanabara. Esta fazenda foi a primeira que papai adquiriu. Era muito bonita. Para nós, crianças, era o pequeno Eldorado. É minha recordação mais remota. Lembro-me que a casa era branca, tinha na frente uma varanda com grade de madeira em toda ela. Ali ficávamos vendo o gado ser conduzido ao curral, os trabalhadores voltando do serviço e o trem passar.
  
          Hoje, a Guanabara pertence a Oscar e a Iara. Eles conseguiram, com os recursos atuais, torná-la mais atraente e mais bonita. Fui passar o dia com eles e gozar um pouco daquela tranquilidade. Não existe mais nada da minha infância, nem podia. Mas o ar, o céu, as árvores, estão todos ali com a mesma disposição para acolher-me. Deitei-me numa linda rede armada na varanda e comecei a olhar as coisas em volta de mim: os pássaros cantando, um beija-flor a pousar de flor em flor, saboreando todo o seu encanto,  as galinhas d’água no ribeirão ao lado, coberto de baronesa, pareciam dançar ao som do coaxar dos sapos. E eu ali assistindo àquele espetáculo que a natureza me oferecia. Mas terminei dormindo um sono tranquilo, mas profundo. E sonhei: que o trem ia passar, estava apitando, cheguei a ouvir o seu apito “PI...u...ii...pi...u...ii... café com pão, bolacha não, café com pão, bolacha não...” No sonho, repetia-se a façanha da infância: saía correndo com os meus irmãos para ver o trem passar. Podíamos vê-lo da varanda. Mas só era válido se corrêssemos até a cancela. Na descida da ladeira, escorreguei e caí. – Coisa que sempre acontecia em minha infância! – Com o susto, - que pena! – acordei. Foi mesmo um azar. Estava tão gostoso!
  
          Continuei sonhando acordada. Era noite de lua cheia, todos nós sentados na varanda para ouvir histórias. Naquela noite, João Peixe, um dos trabalhadores contava-nos a história da caipora. Ouvíamos o relato com prazer e pavor ao mesmo tempo. Como sempre não ouvi o final. Lembro-me que as últimas palavras que consegui ouvir de João Peixe foram: “a caipora enganou e a menina se perdeu no mato”.

          Quando acordei no dia seguinte, estava triste e desapontada porque não ouvi o resto da história e também porque não consegui, mais uma vez, dormir na rede da sala. Dirceu ganhou novamente. Fui fazer queixa a papai e ele me disse: “Hoje você dorme na rede. Vamos comigo lá na roça?” Chamei Dina e acompanhamos papai.

           - Será que vocês acertam ir até em casa? – perguntou papai.

           - Sim, acertamos.

           - É só seguir o caminho em frente.

          Não me lembro bem o que íamos buscar. Mas fomos contentes, ouvindo os grilos cantar e olhando os cacaueiros carregados. É muito bonito andar numa fazenda de cacau! O fruto do cacaueiro se espalha por todo o seu caule. Há cacau de várias cores: verde, amarelo, azul, vermelho e, quando marcado pela podridão, pardo, preto. Seguíamos o caminho sem perdê-los de vista. Quando chegamos ao topo da ladeira, o caminho se bifurcava. E agora? Qual o caminho a seguir? Optamos por um que, infelizmente, não era o verdadeiro.
  
           - Julinha, a caipora nos enganou. Estamos perdidas.

          E Dina começou a gritar apavorada. Quando verifiquei que ela estava com razão, gritei mais ainda:

          - Papai! Paa...paa...iii...

          Cada vez ficávamos mais apavoradas e gritávamos mais. O nosso medo aumentou quando vimos um calango muito grande que, assustado com os nossos gritos, saiu correndo por entre as folhas do cacau.
  
          Felizmente, os nossos gritos chegaram até papai que veio ao nosso encontro.

          - O que vocês vieram fazer aqui?

           - Foi a caipora que nos enganou.

          - Qual caipora! Caipora não existe.

          - Existe, sim. João Peixe ontem contou que ela...

          - Esta história de João Peixe é bobagem. Vocês não devem ter medo. Vamos para casa...

           - Tia, você quer coca-cola?

          Outra vez fui despertada de meus sonhos.

          - Paulinho, você não se acanha de oferecer-me coca-cola aqui, em plena natureza?

          - Então, um suco de caju?

          Maravilhoso! Um suco de caju, sim. Vá buscar rápido.

          Enquanto esperava o suco de caju, olhando o céu muito azul que parecia encontrar-se com as folhas verdes da mata, refletia sobre aquele fato ocorrido na minha infância quando, desesperada, gritei por papai. E, como por encanto, ele apareceu. Como o bom pastor atrás da ovelhinha perdida.

          É tão bom pensar que existe Aquele Pastor que está sempre atento precisando apenas ser solicitado!

          - Tia, o seu suco.

           - Obrigada, Paulinho!

           - Obrigada, meu Deus!


 (ARCO-ÍRIS)

Marília Benício dos Santos


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