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quinta-feira, 23 de março de 2017

A VILA – Helena Borborema (Parte II)

A Vila  (Parte II)



          Recém-chegado, o advogado Lafayette de Borborema logo iniciou suas atividades profissionais. Contaria ele muitos anos depois:


          “Devido ao ambiente hostil que a política lhe criara, o Dr. Unapetinga deixara o cargo de Juiz e fora embora da Vila poucos meses depois da minha chegada, deixando o campo forense para mim e o provisionado Laudelino Lorens. O meio era revolto; não recuei, disposto a advogar e, junto a Firmino Alves e seus amigos enfrentar as lutas também trabalhar em benefício do meio social."

          “O meu primeiro trabalho como advogado foi o preparo dos papéis de habilitação para um casamento civil pelo qual recebi trinta e cinco mil reis; o segundo foi uma defesa no Júri, por trezentos mil reis."

          “A primeira reunião do júri, cujos processos haviam sido feitos pela Justiça de Ilhéus, foi um marcante acontecimento social. Tive que funcionar como Promotor ad-hoc no mais importante dos processos, cujos acusados eram protegidos da situação contrária a Firmino Alves, interessada que se achava na absolvição dos acusados. Quando estava fazendo a acusação, entregaram-me um bilhete; parei e fiz a leitura do mesmo; estava assinado. Era uma ameaça; avisava-me que o partido tinha interesse na absolvição dos ‘meninos’, por isso que, se  eu quisesse ficar aqui, tinha que não apelar da absolvição dos mesmos. Guardei-o e continuei a acusação."

          “Depois da defesa, num intervalo para descanso, falaram-me pessoalmente sobre a conveniência de não apelar era uma ameaça velada. Fiz de conta que não compreendia."

          “Voltei à tribuna para replicar, o que fiz com mais ardor e firmeza. Terminado o julgamento os acusados foram absolvidos. Era o segundo ou terceiro julgamento e a acusação desta vez não podia mais apelar."

          “De outra feita, em casa, fui procurado por um senhor, contra que era advogado em uma causa cível, para prevenir-me daria mal se recorresse da sentença, que lhe havia sido favorável.Mandei-o sentar-se calmamente respondi-lhe que já havia apelado. Depois de um pequeno silencio, retirou-se.”

          “Vi que havia muita maldade e injustiça e precisava defender os injustiçados não pela justiça togada, e sim pelos ambiciosos, pelos espoliadores que tomavam as plantações dos pequenos lavradores, os quais eram abatidos com tiros de repetição nas emboscadas.”

          “Recebi ameaças, mas nunca recuei e nunca transigi. Também nada sofri pessoalmente. Sempre respeitando e sempre respeitado.”

          “Pouco a pouco, Itabuna foi entrando na ordem; passou à categoria de Comarca. A lei passou a imperar; foram chegando outros advogados, juízes foram se sucedendo, o movimento forense crescendo, acompanhando o desenvolvimento e o progresso do Município.”

          “Fui testemunha de tudo, porque como advogado tinha que conhecer os fatos na polícia, no foro e de vista.


          Mesmo sendo uma vila, havia prosperidade e vida social em Itabuna. Reuniões eram feitas em casas de famílias, onde não faltavam recitativos, modinhas e danças da época, como valsas, polcas e quadrilhas, principalmente na residência de Firmino Alves, que trouxera um piano de Salvador, o qual, do Banco da Vitória até sua casa, foi conduzido com enorme dificuldade a pau e corda.

          A alimentação era farta: muito peixe e pitus do rio Cachoeira, muita caça das matas próximas, enormes requeijões vindos do sertão, boa manteiga, queijos e enlatados vindos de Salvador, em geral importados do estrangeiro.

          Havia também reuniões literárias bem animadas, com discursos. A vida não era monótona. Com elementos da terra criou-se um grupo de teatro para cujos espetáculos a plateia trazia de casa as cadeiras. Criou-se um grêmio literário e recreativo, com uma pequena biblioteca. Foram também criadas duas filarmônicas, a Minerva e a Lira; ambas se digladiavam. Cada uma tinha seus adeptos.

          Mas, apesar desses progressos, a vida da população continuava a correr perigo; quem saía à noite estava arriscado a ter os passos embargados por um indivíduo escondido sob um pala, que riscava o fósforo para ver se era a pessoa a quem procurava para matar.

(Lafayette de Borborema : UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena Borborema

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HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município. (A autora)

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