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quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

OUVIR ESTRELAS, por Antônio Carlos de Souza Hygino

Ouvir estrelas

18/11/2015


O vento a lufar. A madrugada fria.  A natureza em prantos.

Nos seus aposentos, já acomodado, o sono teimava em não chegar. O seu pensamento ainda continuava nela.  Levantou-se, foi ao armário e olhou para o quadro que iria presenteá-la no dia do seu aniversário. Adquiriu-o de um renomado artista lusitano. E o fez não só  pela beleza da obra mas, sobretudo, para ver no rosto dela aquele  sorriso  que o encantava e, também, lá no fundo, para dar contentamento ao seu coração que de há muito em mais nada acreditava.

Lembrou-se, então, do dia em que a conheceu. Na verdade foi numa noite de verão. Havia uma  reunião. Muitos poucos amigos se faziam presentes, o que deixava o ambiente mais íntimo e agradável. Não era propriamente uma festa, mas tinha a alegria  de uma festa.

Conversando reservadamente com um amigo, de onde se achava, notou a chegada de uma moça, vestida de branco. Ficou a observá-la. Ela cumprimentava as pessoas  e caminhava sem querer em sua direção e, quanto mais se aproximava, mais sua beleza se revelava. Linda mais que demais, diria Caetano se a visse.  Ele  que a viu  disse ser ela muito mais bela do que Vênus e  Afrodite juntas.

Sentou-se, por acaso,  a sua frente.  Ao olhar em seus olhos viu a estrela. A luz que iluminaria o seu caminho e pela qual procurou em outros planos, em outra dimensão, estava bem ali em sua frente, a sorrir.  Meu Deus, é verdade. Ela existe.
Pensou consigo.

Cautelosamente, disse-lhe: conheço você! Não me recordo de onde! E você não me é estranho, respondeu. Naquele instante,  a alegria do reencontro dominava todo seu ser e sublimava-lhe a alma.  E a conversa prosseguiu... A  noite avançou.  Já se fazia tarde.  Despediu-se dela  beijando-lhe as mãos.

Veio a manhã e sucessão de dias e mais dias. As tentativas de aproximação ou mesmo de reaproximação cediam ao silêncio. Ele nada entendia. Milhões de coisas passavam em sua cabeça. Só não passava a alegria que  aumentava  a cada instante em seu peito e fazia feliz o seu calado coração. Nada podia dizer, ou confessar, a ninguém, daquele amor, nem mesmo às paredes.

Ah! Poeta, porque sentenciastes  “que a vida é a  arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”.
  
Questionava a si mesmo o porquê do silêncio? Acostumado à solidão,  fez do silêncio dela o seu companheiro e a ele confidenciava segredos vindos da alma, imaginando  na fantasia dos seus sonhos que o fazia  a ela, docemente em seus ouvidos.

O seu sentimento  tornava-o capaz de ouvir e de entender estrelas, numa sintonia perfeita com o poema de Bilac.

Olhos fixos na paisagem retratada pelo artista, atordoado, sentiu ecoar  em seus ouvidos aquelas palavras que lhe feriram a alma e destruíram o resto de esperança que guardava em seu peito.

Decidido,  fechou a porta do armário. Pela janela jogou as chaves fora. O vento frio invadiu seus aposentos. Sentou-se à beira da cama. Fez-se forte e  sufocou sua paixão. Escondeu-se debaixo da coberta e fingiu acreditar no novo dia, no novo amanhecer, pois tudo estava perdido e fora inútil querer o amor que não mais seria seu.

De mansinho, então,  chega-lhe o seu companheiro inseparável  – o silêncio dela – e sussurra coisas em seus ouvidos – segredos – que lhe renovam a esperança no amor  que o faz ouvir e entender estrelas.


Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito




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