Total de visualizações de página

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

“NA VARANDA, COM GILBERTO FREYRE” É O TEMA DA PALESTRA DE ENCERRAMENTO DE 2019 COM A PARTICIPAÇÃO DO ACADÊMICO JOAQUIM FALCÃO


A Academia Brasileira de Letras encerra seu Ciclo de Conferências de 2019 cujo tema é Na Varanda, com Gilberto Freyre e a coordenação geral da Acadêmica e escritora Ana Maria Machado. O Acadêmico e escritor Joaquim Falcão será o palestrante. O evento será realizado no dia 5 de dezembro, às 17h30, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson, 203 – Castelo, Rio de Janeiro. Entrada franca.
 Os Ciclos de Conferências, com transmissão ao vivo pelo portal da ABL, têm o patrocínio da Light.
 Serão fornecidos certificados de frequência.
 O Acadêmico
Joaquim Falcão é professor titular de Direito Constitucional da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Mestre e Doutor por Harvard e Universidade de Genebra. Foi membro do Conselho Nacional de Justiça, da Comissão de Estudos Constitucionais Afonso Arinos. Ex-Presidente da Fundação Nacional Pró-Memória e ex-Secretário-Geral da Fundação Roberto Marinho. Criador do Telecurso 2000, Globo Ecologia e da TV Futura. Autor de livros na área de Direito e Cultura.
 Leitura complementar
Biblioteca Rodolfo Garcia disponibiliza seu acervo para pequisa e leitura de obras relacionadas ao tema desta conferência, como "O imperador das idéias : Gilberto Freyre em questão""Casa-grande & senzala : formação da familia brasileira sob o regime da economia patriarcal" e "Sobrados e mucambos : decadencia do patriarchado rural no Brasil".
Para consultar mais materiais como os citados, acesse o link abaixo e visite os "Levantamentos bibliográficos" realizados para este evento.
 28/11/2019


* * *

O PAPEL DE NOSSA SENHORA NA CRISTANDADE MEDIEVAL – Plinio Maria Solimeo


 27 de novembro de 2019
Segundo renomado historiador protestante, portanto insuspeito, a Santíssima Virgem sempre esteve no centro da vida medieval, sendo a alma da Cristandade

Plinio Maria Solimeo

Durante séculos se criou uma legenda negra a respeito da Idade Média, tachando-a de uma época obscurantista e primitiva. Isso se deveu sobretudo ao ódio de muitos ao papel exercido pela religião nesse tempo, assim descrito por Leão XIII em sua famosa encíclica Immortale Dei, de 1885:

“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então, a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças aos favores dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. […] Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”.

         Isso explica o interesse que os monumentos da Idade Média despertam até hoje, pelo número incontável de turistas que vão de todo o mundo à Europa, principalmente à França, para vê-los e admirá-los.

     
É preciso dizer que surgem felizmente de tempos em tempos, nos horizontes mais inesperados, historiadores honestos e eruditos que prestam tributo à Doce Primavera da Fé, como a chamou Montalembert. Um deles é Henry Brooks Adams (1838 – 1918) [foto ao lado], jornalista de renome, editor, escritor e professor de História Medieval na Universidade de Harvard, bisneto de John Adams, primeiro vice-presidente e depois segundo presidente dos Estados Unidos, e neto de John Quincy Adams, sexto presidente americano.

         Grande observador da realidade histórica, Adams se encantou com a Idade Média, desiludido como estava com a vida pública do seu tempo. Depois de tentar a carreira política, “ficou enojado com os políticos demagogos, e com uma sociedade na qual todos se haviam tornados ‘servos do poder’. Escreveu que os americanos ‘não tinham tempo para pensar; só viam, e não conseguiam ver nada além do dia de trabalho; dizia que a atitude deles em relação ao universo exterior era como a dos peixes de profundidade” (Encyclopedia Brittanica), que não se importam a não ser com o que passa ao seu redor.

         O jornalista Carmelo López-Arias, em artigo em Cari Filii, afirma que “o pensador e historiador protestante” descobriu a Idade Média através do papel que nela teve a Santíssima Virgem. Para López-Arias, em suas múltiplas viagens à Europa ele soube “captar a onipresença da Santíssima Virgem em todas as formas da cultura tradicional europeia; e, com uma sensibilidade especial, compreendeu que essa omnipresença era a própria alma da Cristandade, e respondia a uma psicologia humana e razoável”.

         Ainda segundo López Arias, Adams assim explica a relação do homem medieval com a Santíssima Virgem: “‘Seu vínculo com Maria respondia a um instinto de sobrevivência. Sabiam que estavam em perigo. Se havia uma vida futura, Maria era a única esperança’. Ante a lei divina, ‘essencialmente eterna, infinita, imutável’, que não permitia ‘debilidade nem erro’, os homens ‘se viam forçados a ir de esquina em esquina seguindo uma lógica implacável, até cair desvalidos aos pés de Maria […], felizes de encontrar proteção e esperança em um ser que podia entender a linguagem que falavam, e as escusas que podiam oferecer’”.

Para Adams, esse papel de Nossa Senhora na Idade Média pode ser compreendido melhor analisando-se a catedral de Chartres [foto acima]. Ele o fez numa circunstância dolorosa, quando já sexagenário teve a alma despedaçada pelo suicídio da mulher, após 13 anos de feliz matrimônio sem filhos.

         A fim de superar esse trauma, Adams começou a viajar por todo o mundo. “Buscando um ponto no qual focalizar sua vida e seus estudos, encontrou-se com a Cristandade medieval. […] ‘Para apagar sua melancolia e sobrelevar a aceleração dos princípios do século XX, buscou a sabedoria e a beleza do século XII’. A caminho de Chartres, descobriu que quase todas as grandes igrejas dos séculos XII e XIII pertenciam a Maria’”, e que sua presença era insubstituível para o homem medieval.

Crítico do mundo moderno, Henry Adams visitou a tão bafejada Exposição Universal de Paris de 1900. Comenta López-Arias: “Ali, nos pavilhões industriais nos quais se expunham as grandes máquinas a vapor e seus gigantescos dínamos, descobriu a idolatria da força mecânica que anunciava seu domínio na centúria nascente. E ocorreu-lhe uma comparação que faria fortuna: ‘No Louvre e em Chartres […] se encontra a força mais alta jamais conhecida pelo homem [Maria Santíssima], criadora das quartas quintas partes da melhor arte, capaz de exercer uma atração sobre a alma humana maior do que todas as máquinas a vapor e que todos os dínamos concebíveis. […] Todo o vapor do mundo é incapaz de construir Chartres, mas a Virgem o pôde. […] Símbolo ou energia, a Virgem atuou como a maior força que o mundo ocidental jamais experimentou, e atraiu a si as atividades dos homens com mais força que qualquer outro poder natural ou sobrenatural jamais pôde exercer’”. Adams faz esta contundente afirmação no capítulo O dínamo da Virgem, em sua mais famosa obra de caráter autobiográfico, A educação de Henry Adams, escrito em terceira pessoa em 1907.

                 
Em outra de suas obras, Mont Saint Michel et Chartres [capa ao lado], assim fala Adams desta catedral: Ela “é uma fantasia de criança, uma casa destinada a agradar à Rainha do Céu, e a agradar-lhe tanto que Ela pudesse sentir-se feliz nela, para encantar-se enquanto sorri […] [a Virgem] foi a maior dos artistas, dos filósofos, dos músicos e dos teólogos que jamais viveram na terra, exceto seu Filho. Mas em Chartres Ele era ainda um infante sob sua proteção. A igreja foi construída para Ela em um espírito de fé ingênua, prática, utilitária e em pureza de pensamento, em todos os pontos comparável ao da menina que prepara uma casa para sua boneca preferida”.



         López-Arias comenta: Esses “São parágrafos de Adams que recolhe John Senior em ‘A restauração da cultura cristã’ [capa ao lado], e Adams explica que isso é verdade não somente para as grandes catedrais, mas para ‘a cultura cristã absolutamente em todo lugar, e o será sempre, sobre toda a superfície da Terra. E Maria é sua causa, sua consequência e sua medida’”. Pergunta Senior: “Cada uma de nossas roupas, cada uma de nossas diversões, cada uma de nossas conversas, de nossas empresas ou de nossas experiências nos laboratórios, cada um de nossos escritos, Lhe estão dedicados?” E conclui: “A restauração da Cristandade está ligada ao número de corações que estão consagrados ao Imaculado Coração de Maria’”.

       
  Mas não são apenas Adams e Senior que descortinam o papel da Virgem na formação da Idade Média. A professora Rachel Fulton Brown, medievalista da Universidade de Chicago, chegou à mesma conclusão: “Em minhas investigações, prestei uma atenção especial à devoção medieval à Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é algo mais do que a Virgem que os cristãos creem que deu à luz ao Filho de Deus. Ela é a clave que explica a própria Idade Média. […] Para se entender o lugar de Maria na devoção medieval cristã, não basta estudá-la como um historiador da arte, um músico, um professor de literatura, um historiador ou um teólogo. Para se entender Maria como A imaginaram os cristãos medievais, tem-se que entender-se tudo. Ela está ali, na arte e na arquitetura, na música. Ela está ali, na literatura, na liturgia e nas artes liberais. Ela está ali, nas mais elevadas expressões da imaginação humana e nas mais humildes orações de petição. Ela está ali, na política, no ideal do matrimônio, nos brados de batalha e nas súplicas de piedade dos oprimidos. A Cristandade medieval é inconcebível sem Ela; e, sem embargo, desde a Reforma os cristãos (protestantes) se tornam loucos para explicar por que Ela está ali”.

         Concluindo: Apesar de toda delicadeza de Henry Adams em descrever o amor do medieval à Virgem, não se nota no que ele diz de um amor especial por Ela. Por isso, apesar de tudo que escreveu sobre Ela, ele nunca se fez católico. Quando Adams morreu, em 1918, sua sobrinha encontrou em uma gaveta um poema intitulado Oração à Virgem de Chartres. Almejamos que a Virgem Mãe nossa tenha obtido de seu divino Filho compaixão para sua alma, tão apreciável em tantos lados.
_____________
Fontes:



--------------

* * *

SÃO FRANCISCO XAVIER, APÓSTOLO DO ORIENTE E TAUMATURGO - Plinio Maria Solimeo



3 de dezembro de 2019
São Francisco Xavier – Manuel Henriques, (séc. XVI) – Sé Nova, Coimbra

Abrasado pelo amor a Deus, Francisco Xavier inflamou os lugares por ele evangelizados, com o fogo do amor divino e o brilho de seus milagres. Sua festividade é celebrada pela Igreja no dia 3 de dezembro.

Plinio Maria Solimeo

         Para Santo Inácio de Loyola não havia dúvida. O Papa, para atender ao Rei João III de Portugal, estava pedindo-lhe membros de sua recém-fundada Companhia para evangelizar os domínios portugueses de ultramar. Como Francisco Xavier era o único de seus discípulos disponível no momento para acompanhar Simão Rodríguez, teria que ir. No entanto, dos seus primeiros filhos espirituais, Xavier era o predileto, aquele que planejara ter consigo como conselheiro e provável sucessor. Mas Inácio de Loyola havia escolhido como lema de sua milícia Ad Majorem Dei Gloriam (Tudo para a maior glória de Deus). Se bem que tivesse sentimentos muito profundos, não era um sentimental. Chamou logo Francisco. Sempre pronto a obedecer, o futuro Apóstolo das Índias exclamou: “Pues! Heme aqui!” (Estou pronto! Vamos!).

Braço de prata com relíquia do Santo

         No dia 16 de março de 1540, provido dos títulos de Núncio Papal e Embaixador de Portugal para os países do Oriente, Francisco Xavier foi despedir-se de seu pai espiritual. Santo Inácio, pondo-lhe as mãos sobre os ombros, percebeu que a batina era muito rala. “Como, meu caro Francisco! Ides cruzar as neves dos Alpes com roupa tão leve?” O discípulo sorriu timidamente. “Depressa, desvestindo sua própria batina, o Fundador da Companhia de Jesus tirou uma veste de flanela que estava usando, e fê-la vestir em Xavier. Era como se, com essa parte de sua vestimenta, desse uma parte de si mesmo ao filho que partia”.(1) “Ide: acendei e inflamai todo o mundo”, foram as últimas palavras do antigo capitão de Pamplona ao ex-mestre do Colégio de Beauvais.

         Essas palavras tornaram-se proféticas, pois o que esse hidalgo espanhol fez o resto de sua vida não foi senão inflamar tudo com o ardente fogo de seu amor de Deus.

Reformando a “Goa dourada, a Roma do Oriente”

         Francisco Xavier tinha 35 anos quando cruzou o oceano para chegar a Goa em 6 de maio de 1542. Essa cidade, capital das possessões portuguesas no Oriente, atraíra toda sorte de soldados de fortuna e aventureiros, os quais, longe de sua pátria, família, parentes e conhecidos, tinham caído numa vida licenciosa que escandalizava não só seus correligionários, mas até os pagãos.

         Dom João de Castro, um dos maiores vice-reis das Índias, descreve assim a situação de Goa à sua chegada: “As cobiças e os vícios têm cobrado tamanha posse e autoridade, que nenhuma cousa já se pode fazer por feia e torpe, que dos homens seja estranha”.(2)

         Impelido “pela necessidade de perder a vida temporal para socorrer a espiritual de seu próximo”,(3) São Francisco Xavier atirou-se ao trabalho, começando pelas crianças e doentes. Aos poucos sua fama no confessionário e no púlpito atingiu outras áreas, e gente de todas categorias passou a procurá-lo para purificar sua alma. “Aqui em Goa eu moro no hospital, onde confesso e dou a comunhão para os enfermos. Mesmo assim, é tão grande o número dos que vêm pedir-me para ouvir confissões que, se eu estivesse em dez lugares ao mesmo tempo, não teria falta de penitentes”,(4) escreveu ele a Santo Inácio apenas um mês depois de sua chegada.

Goa, a “dourada” ou a “Roma do Oriente”, era uma cidade cosmopolita e tinha atraído gente de todas as partes do mundo. São Francisco Xavier viu a necessidade de criar uma escola de nível médio para ajudar a evangelização. Menos de um ano depois de sua chegada, tinha já fundado o Colégio da Santa Fé. Sua finalidade, como ele explica, era “para que os nativos destas terras e os de diferentes nações e raças possam ser instruídos na fé. E para que, quando tiverem sido bem instruídos, sejam enviados às suas pátrias, de modo que ganhem fruto com o ensinamento que receberam”.(5)

A história do Cristianismo no Japão inicia-se com a chegada de S. Francisco Xavier e seus companheiros. Depois vieram as perseguições e os martírios.

Os “filhos de São Francisco Xavier”

Sua presença era requisitada também em outras partes: “Num reino longe daqui (Travancore, sudoeste da Índia), Deus moveu muitas pessoas a se fazerem cristãs. De tal modo que, num só mês, batizei mais de dez mil, homens, mulheres e crianças”.(6) Nessa nova área ele foi recebido pelo marajá “com honras, e tratado com gentileza”; o rei deu a ele “permissão para pregar o Evangelho em todo seu reino, e para batizar aqueles de seus súditos que quisessem tornar-se cristãos”.(7)

Como escreveu para os membros da Companhia, em Goa “eu tenho estado ocupado batizando todos os infantes. […] Os mais velhos deles não me dão paz, pedindo-me sempre para ensinar-lhes novas orações. Eles não me dão tempo para rezar meu breviário nem para comer”.(8)

São Francisco Xavier desceu até o extremo sul da Índia para evangelizar os Paravas, quase todos pescadores de pérolas. “Padre Francisco fala desses Paravas como de uma nobre raça, inteligente, trabalhadora e perseverante, a única tribo na Índia que se tornou inteiramente católica. […] Eles se orgulham de chamar-se a si próprios ‘os filhos de São Francisco Xavier’”, escreve um Prelado no início do século passado.(9)

         Foi nessa Costa da Pescaria que o “Padre Francisco” realizou muitos dos seus mais espetaculares milagres. Foram tantos e tão notáveis, que fica difícil a escolha.

Uma vez os ferozes Badagas cruzaram as montanhas, devastando o Travancore. O marajá, mal preparado para fazer face a esse perigo, apelou a São Francisco Xavier. O apóstolo juntou-se ao improvisado exército, colocando-se na primeira fila. Tão logo sua voz pôde ser ouvida do outro lado, “o Padre Francisco, segurando seu Crucifixo, caminhou para o inimigo […] e gritou em alta voz: ‘Em nome de Deus, o terrível, eu vos ordeno que pareis’”.(10) Os badagas das filas dianteiras, aterrorizados, pararam e começaram a recuar. A debandada foi total.

“Eu te ordeno, levanta-te dos mortos!”

         A cidade de Quilon, entretanto, não se impressionava com esses milagres, e as palavras de fogo do apóstolo não penetravam nos corações endurecidos de seus habitantes. Um dia, quando estava rodeado por uma multidão a que não era capaz de tocar, o Santo ajoelhou-se e pediu fervorosamente a Deus que mudasse o coração e a vontade daquele povo obstinado. Depois de um instante, dirigiu-se ao local onde um jovem havia sido enterrado na véspera. Pediu que o desenterrassem. “Verifiquem todos se ele está mesmo morto”, disse à multidão. Alguns, ao abrirem o caixão, recuaram exclamando: “ele não só está morto, mas cheirando mal”. Xavier então ajoelhou-se e, com potente voz para que todos ouvissem, disse: “Em nome de Deus e em testemunho da fé que eu prego, eu te ordeno: levanta-te dos mortos”. Um tremor sacudiu o cadáver e a vida retornou plenamente a ele. O número das conversões foi grande, e a fama do milagre acompanhou Francisco Xavier através das Índias.(11)

Para formar um clero nativo capaz de trabalhar entre seus irmãos, ele fundou mais quatro seminários: Cranganor, Baçaim, Coghim e Quilon.

         Qual era o segredo da eficácia apostólica de São Francisco Xavier? Era uma heróica observância do maior mandamento de Cristo: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo teu entendimento” (Mt 22, 37). “Tenho tão grande confiança em Deus, cujo amor somente me move, que, sem hesitar, com o único bafejo do Espírito Santo, afrontei todas as tempestades do oceano na mais débil barca”.(12)

O segundo apóstolo da Índia recorre ao primeiro

Procissão portando o corpo de São Francisco Xavier, venerado até por não católicos, pelas ruas de Goa em dezembro de 2004

         Para saber se deveria avançar mais para o Oriente em sua evangelização, Francisco resolve fazer um recolhimento junto ao túmulo de São Tomé, em Meliapor.

         O segundo apóstolo da Índia, em contato com o primeiro, recebeu muitas graças: “Aqui Deus lembrou-se de mim segundo sua costumeira misericórdia; Ele tem consolado infinitamente minha alma, e me fez saber que é sua vontade que eu vá para Málaca, e de lá às outras ilhas da região”.(13)

         O resto da história é muito conhecido. Com o mesmo zelo, São Francisco evangelizou não somente Málaca e as Molucas, mas também muitas outras ilhas vizinhas, e chegou até o Japão, do qual foi o primeiro e mais importante apóstolo. Ele morreu só e desconhecido nas costas da China, com os olhos postos em suas misteriosas terras, cuja antiga e rica civilização queria conquistar para Cristo.

         No processo de canonização do grande Apóstolo do Oriente, a Santa Sé “reconheceu vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas e oitenta e oito milagres admiráveis operados em vida pelo ilustre Santo”.(14) Na bula de canonização são mencionados muitos milagres ocorridos em vida e depois da morte de São Francisco Xavier. Um deles foi que as lamparinas colocadas diante da imagem do Santo, em Colate, ardiam muitas vezes tanto com óleo como com água benta.

        O último milagre relacionado a ele foi seu corpo incorrupto por séculos, cujos restos, mumificados e danificados por homens e elementos, podem ainda ser vistos em Goa, coroando um dos mais notáveis exemplos do Evangelho posto em prática.

____________
Notas:
Fonte: Revista Catolicismo, Dezembro/2005.
1. Mary Purcell, Don Francisco – the story of St. Francis Xavier, The Newman Press, Westminster, Maryland, 1954, p. 108.
2. Cônego Arsênio Tomaz Dias, da Sé Patriarcal de Goa, Memória Histórico-Eclesiástica da Arquidiocese de Goa, Tip. A Voz de S. Francisco Xavier, Nova Goa, Índia, 1933, p. 344.
3. G. Schurhammer – I. Wicki, S.I., Epistolae S. Francisco Xaverii, Romae, 1944, – Epist. 55, t. I., p. 325), citada pelo Papa Pio XII em sua mensagem aos católicos da Índia, in “Boletim do Instituto Vasco da Gama”, Bastora, Goa, Índia, Dez. 1952, p. VIII.
4. Mary Purcell, op. cit., p. 147.
5. P. Rayanna, S.J., St. Francis Xavier and his shrine, 2nd ed., Bom Jesus, Old Goa, Índia, 1982, p. 72.
6. In Dr. E. P. Antony –– The History of Latin Catholics in Kerala, I.S. Press, Ernakulan, Índia, 1992, p. 44.
7. D. Ladislau Miguel Zaleski, Saint François Xavier, Missionaire et son Apostolat en Inde, Ensieldeln, Germany, 1910, p.102.
8. Mary Purcell, op. cit., p. 165.
9. D. Ladislau Zaleski, op. cit., p. 204.
10. D. Ladislau Zaleski, op. cit., pp. 115-116. Ver também “Memória…”, p. 344, Antony, pp. 45-46, P. Thomas, Christians And Christianity In India And Pakistan, London, George Allen & Unwin Ltd., 1954, p. 56 e J.M.S. Daurignac, São Francisco Xavier, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 5ª ed., pp. 183-184.
11. Cfr. D. Ladislau Zaleski, op. cit., pp. 114-115.
12. Carta de 8 de maio de 1845 para os membros da Companhia, em Goa. In J.M.S. Daurignac, op. cit., p. 215.
13. Mary Purcell, op. cit., p. 182.
14. J.M.S. Daurignac, op. cit., p. 482.



* * *

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

CONCERTO DA BANDA SINFÔNICA BRASILEIRA ENCERRA A TEMPORADA DE 2019 DA SÉRIE “MÚSICA DE CÂMARA NA ABL”


A Academia Brasileira de Letras encerra a temporada de 2019 de sua série “Música de Câmara na ABL”, com concerto da Banda Sinfônica Brasileira. O grupo é formado pelos instrumentistas Moises SantosJosé AdrianoGabriel PeterRenato Coelho e Rafael Santos. O concerto será realizado no dia 3 de dezembro, terça-feira, às 12h30, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson, 203 – Castelo, Rio de Janeiro. Entrada franca.

Programa
As quatro estações de Vivaldi (Primavera)
The Queen of Sheba (Frederic Handel)
Asa Branca (Luiz Gonzaga)
Ilusão (Dimas Sedícias)
1x0 (Pixinguinha)
Carinhoso (Pixinguinha)
Melodia sentimental (Villa-Lobos)
Bachianas 5 ária Cantilena (Villa-Lobos)
Chuvas de graça (H.C.C)

 
INSCRIÇÕES
Garanta sua participação gratuita para esta sessão exclusiva. Lugares limitados.


* * *

CINEACADEMIA NELSON PEREIRA DOS SANTOS EXIBE O FILME "ARGILA", DE HUMBERTO MAURO

Academia Brasileira de Letras, em parceria com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna e com o apoio do Espaço Itaú de Cinema, dá continuidade ao CineAcademia Nelson Pereira dos Santos, em homenagem ao saudoso acadêmico falecido em 2018.  Os filmes serão exibidos na primeira terça-feira de cada mês, sempre às 18h00, no Espaço Itaú de Botafogo (Praia de Botafogo, 316) e obedecerão a um critério de ciclos preestabelecidos. A coordenação desses ciclos caberá ao Acadêmico Carlos Diegues.
O primeiro filme projetado foi "Limite", de Mário Peixoto, dentro do Ciclo Fundação do Cinema Brasileiro, que mostrará também "Argila", de Humberto Mauro e "Rio, 40 graus", de Nelson Pereira dos Santos (em janeiro).

Cada projeção de filme terá uma apresentação e uma mesa de debates com profissionais ligados ao filme em exibição, além de cineastas, críticos, professores e pensadores reconhecidos.
Para a exibição de "Argila", a mesa será composta pelo cineasta André Di Mauro e pela atriz Carla Camurati. José Quendal será o mediador do debate. 
Os ingressos poderão ser obtidos na bilheteria do Espaço Itaú de Cinema, situado à Praia de Botafogo, 316, Botafogo ou pelo site www.ingresso.com. Os valores são R$10,00 para inteira e R$5,00 para meia-entrada.
Argila
Admiradora de obras de arte e, em especial, da cerâmica de Marajó, jovem viúva compra uma cerâmica de objetos utilizados e a entrega a um talentoso artesão para que desenvolva suas habilidades artísticas. Apaixonado pela patroa, o jovem desfaz seu namoro com uma moça da região. Alertada pelo pai da moça sobre o acontecido, a viúva, apesar de amá-lo secretamente, recusa o amor do ceramista.
25/11/2019


domingo, 1 de dezembro de 2019

O FUTURO CHEGOU ANTES DA HORA – Péricles Capanema


28 de novembro de 2019

Péricles Capanema

Amigo meu de décadas, como poucos culto, amável e inteligente, enviou-me dito francês conhecido “savoir dire, savoir plaire, savoir faire” (saber dizer, saber agradar, saber fazer), como possível tradução da locução inglesa “soft skills”, por mim examinada em texto recente — “Foco no sucesso”, desde 27 de outubro em meu blog periclescapanema.blogspot.com.

Perguntava eu no artigo se alguém tinha em mente tradução adequada para o que hoje significa “soft skills” no mundo dos negócios, em que de forma especial exprime qualificações necessárias para ali alcançar posições de destaque (eu não tinha). Minha intenção primeira no presente texto era discorrer sobre em que a viva construção francesa acima transcrita parece exprimir corretamente o “soft skills” e em que, a meu entender, deixava de lado certos aspectos.

Todo o artigo já estava na cachola, era só limar um ou outro pormenor e pôr no papel. No texto imaginado por mim havia um ponto que só uma vez ouvi levantado (aliás, por político mineiro que já nos deixou há tempos) como fundamental na vida: a importância do convívio com homens inteligentes. O experiente homem público julgava indispensável para a formação intelectual, para moldar a personalidade, para as obrigações de pai de família e de profissional o tal convívio. “Procure sempre o convívio dos homens inteligentes”. Claro, homens no sentido normal da palavra, mulheres, crianças, moços, idosos (seres humanos). Ousaria rematar com um pontinho: busque o convívio dos bons observadores. Nada soma quem não sabe ver direito a realidade. Os raciocínios brotam desfocados se os olhos antes não captam realidade objetiva e rica.

Corta, o resto fica para depois. De repente fui agredido pela realidade e me vejo obrigado a tratar agora de outro assunto. O amigo acima mora em Frankfurt. Outro amigo, residente em Paris, a quem não vejo faz muito tempo, muito tempo mesmo, o que lamento, têm algo em comum: o mau gosto de ler textos meus. Passou os olhos pelo “Preocupa” (postado no blog também em 27 de outubro) e se viu na obrigação de me avisar: o futuro já chegou. Pensei comigo: antes da hora (para os incautos). O futuro em tela estava marcado para 2047.

Todos sabem, o “Le Monde” é jornal de enorme importância, com viés de centro-esquerda (não é um “Le Figaro”). E assim em geral ecoa mal ou não ecoa as vozes que vêm da direita. O “Le Monde” edita uma espécie de revista “Le magazine du Monde”, cujo número 424 de 1-11-2019 traz informativo artigo de Florence de Changy intitulado “Les entreprises étrangères sous pression chinoise” (As empresas estrangeiras debaixo da pressão chinesa).

Não são empresas pequenas, são mamutes famosos, alguns dos quais do mundo do alto luxo. Florence de Changy começa relatando o caso da NBA (National Basketball Association), a gigante norte-americana que coordena o basquete nos Estados Unidos. Um simples tuíte de Daryl Morey, dirigente do Houston Rockets, apoiando os combatentes pela liberdade em Hong Kong (atenção, só reclamam o que consta dos textos legais), desencadeou furor na China continental, o que causou prejuízos grandes aos maiores clubes dos Estados Unidos. Alguém duvida que o furor não foi instigado pelas autoridades chinesas? Retaliada no bolso, a NBA entrou logo na linha. O recado, e não é o primeiro, ficou mais claro: o governo chinês exige lealdade absoluta (se quiserem troquem lealdade por submissão, fidelidade, vassalagem, subserviência, dá no mesmo). Não admite ninguém pisando fora da linha traçada pelo PCC (Partido Comunista Chinês).

Outro caso. Tem sede em Hong Kong uma linha aérea grande e reputada, a Cathay Pacific. Em agosto, o governo chinês exigiu da empresa que demitisse imediatamente 200 empregados que participaram dos presentes protestos na cidade. Ou, menos que isso, de alguma maneira manifestaram algum apoio, mesmo que discreto. Ordem dada, ordem cumprida. Foram logo demitidos os pouco mais de 200 funcionários. Rua! E ainda três dirigentes. A punição não terminou aí, funcionários de grandes empresas chinesas estão proibidos de voar na Cathay Pacific. Avery Ng, deputado social-democrata, nota: “O governo chinês deu o recado: qualquer pessoa, qualquer uma mesmo, que ousar tomar posição não conforme à linha determinada pelo Partido Comunista Chinês, será punida ou demitida. É aviso ameaçador para todas as empresas que tenham o menor interesse no mercado chinês”.

Poucas semanas depois, foi a vez do BNB Paribas, banco francês. Funcionário seu em Hong Kong ousou colocar no Facebook particular expressão de alguma maneira depreciativa com a China continental e favorável aos Estados Unidos. Sofreu avalanches de ataques das milícias digitais. Teve de sair do banco (a reportagem não deixa claro se pediu demissão ou foi demitido; na prática, a mesma coisa. Rua!).

Resumindo o clima, observou o francês residente há 15 anos em Hong Kong: “Começamos a ter medo de nossa própria sombra. É enorme o efeito da intimidação chinesa. Todo mundo sabe, mas não se pode falar a respeito. Além do mais, de que adiantaria? É a nova realidade”.

De momento, todas as grandes empresas de Hong Kong, e aqui estão incluídas as francesas, muito presentes no setor do luxo e das finanças, temem o passo em falso fatal. Têm uma única escolha: obedecer Beijing. Versace, Givenchy, Coach, Delta Airlines, Zara, entre outros, já pagaram por seus erros.

A vigilância inclui o Tibete e a China Nacionalista. Estão proibidos comentários ou quaisquer manifestações que destoem da linha oficial do Partido Comunista. Beijing nos dois assuntos não tolera ponderações contrárias a seus interesses. A Dior, numa apresentação interna, projetou um mapa da China. Por distração, não constava nele Taiwan. Guerra das milícias digitais. A Dior se dobrou em desculpas, reconheceu publicamente o dogma comunista da “China única”, “respeito constante pelo princípio da China única”. E assim vai.

E assim irá. Pelo tratado com a Inglaterra, a administração de Hong Kong só passará a ser chinesa em 2047. A China perdeu a paciência, mandou às favas escrúpulos, e já está sinalizado sobre o que teremos pela frente. O futuro está chegando antes. Para Macau, a data é 2049, mas ali o futuro já chegou. Eles não piam contra a China, que já domina tudo. Hong Kong e Macau recebem hoje tratamento que, se não acordarmos, será o nosso daqui a algum tempo. Quando? Não sei. Uma coisa sei, para nós, o futuro também pode chegar antes da hora.



* * *

PALAVRA DA SALVAÇÃO (159)


1º Domingo do Advento – 01/12/2019

Anúncio do Evangelho (Mt 24,37-44)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: “A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé. Pois nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem.
Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada.
Portanto, ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor.
Compreendei bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada.
Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

---
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão da Ir. Giuliani Maria, FAM, sobre o Advento

---

“A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé” (Mt 24,37)

Começamos um novo ano litúrgico. É um tempo especial que a Igreja nos oferece como escola de oração e oficina de discipulado: ela nos convida à contemplação e invocação dos mistérios de Jesus “hoje” e à aprendizagem do autêntico discipulado neste nosso tempo. O Ano Litúrgico nos diz que o tempo não é movimento circular, repetição do mesmo (chrónos), mas renovação permanente, acontecimento surpreendente (kairós). Acolhamos este novo ano litúrgico como tempo de graça e salvação.

No Advento, somos movidos a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigo dele, a nomear e acompanhar o tempo que nos cabe viver, a habitar com intensidade as diferentes etapas de nossa vida. Cada momento esconde sua pérola, e é muito excitante quando chegamos a descobri-la. 

Falar do “tempo” não é tão simples e óbvio; é frequente encontrar-nos numa situação na qual vivemos o tempo como um túnel, contínuo, repetitivo... Trata-se de um tempo que absorve, devora, desgasta, esgota...; túnel onde só há presente e sua prolongação homogênea. É cenário de uma frenética e acelerada corrida por rentabilizar ao máximo os minutos e as horas. O tempo torna-se cada vez mais veloz, fugaz, estressante... “Kronos” continua a devorar com maior intensidade o que cria. Diante disso, não há futuro auspicioso, nem esperança que sustenta... Com isso, corremos o risco de viver em um “tempo sem tempo”! Um tempo para “ter”! Um tempo para preencher! Um tempo de excesso de informação circulante e de atividades insensatas (sem sentido)! Um tempo sem eternidade. 

Um tempo assim só é habitado pelo “ego”; não há lugar para o outro, muito menos para o Outro. Podemos dizer que um tempo assim cheira a mofo, não está arejado...; é monstro que nos devora. Trata-se de um “tempo sem advento”: não vem ninguém, não esperamos ninguém... Também Deus não consegue entrar em nossos “tempos apertados”. 

Marcados pelo “tempo vazio” a ser preenchido a todo custo, acabamos por perder a consciência da riqueza do “tempo do Advento”. Tempo forte carregado de sentido, que nos humaniza e nos faz caminhar em direção Àquele que vem vindo... ao nosso encontro. Tempo que nos faz ter acesso àquilo que é mais humano em nós: o sentido da esperança, a travessia, o encontro com o novo...; tempo que nos arranca de nossas rotinas e modos fechados de viver.

Viver o tempo intensamente, vivificá-lo, cuidá-lo e artisticamente orientá-lo para aquilo que desejamos. Este “tempo presente” é oportuno, precioso e não volta mais. Vivê-lo para além dele, na espera do que deve vir, carregá-lo de intenção e de presença. 

Mais uma vez, é preciso parar e descer a esse nível do tempo para ir descobrindo uma Presença que completa nosso ser, que plenifica nossa existência, que responde à nossa interrogação existencial...; está aí, vindo em direção à nossa vida, mais uma vez e de maneira surpreendente, como sempre esteve. “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap. 3,20).

Advento, portanto, nos revela a presença da eternidade no coração do tempo. O Eterno irrompe na história, iluminando a dura rotina e a sequência do cotidiano. E, no nosso interior, o Eterno tem seu templo. Quando o Advento aponta para a eternidade, bem que poderíamos olhar para dentro de nós mesmos. Aí, no nosso interior, há tanto de eterno. A eternidade dialoga com a gente, fala por dentro.

Passamos a viver, então, o tempo da espera e da esperança, das buscas e dos silêncios... Sem a eternidade do coração que pulsa em nós, que nos unifica e plenifica, a vida se empobrece. 

Por outro lado, o Advento nos desperta para “olhar” ao nosso redor e descobrir que Deus continua vindo. Sempre e por caminhos surpreendentes. Advento nos convida a “contaminar-nos” da realidade; e isso nos humaniza. Toda a nossa vida torna-se Advento.

Deus está no coração do tempo. Deus está ali como força explosiva que dá à nossa vida nova dimensão e à nossa existência, infinito valor. De agora em diante, cada um de nossos momentos está cheio de Sua presença, pois a eternidade está no coração do tempo. Deus transforma o “kronos” em “Kairós”. 

A invasão da eternidade no tempo confere a este mesmo tempo uma plenitude de ser, um peso de realidade e existência, uma densidade de sentido que ele é incapaz de ter por si só. De agora em diante, nada em nossas vidas é insignificante, nem rotineiro. A ação mais simples é transfigurada e assume uma dimensão eterna e divina. Nada é banal, nada é comum para alguém cuja vida mergulha no eterno.

No evangelho deste domingo, tanto a referência à história de Noé, como as duas breves parábolas que seguem, se apresentam com um matiz de “urgência”, que se traduz em um chamado à “vigilância”: “ficai atentos..., ficai preparados”. Sem dúvida, é um convite a permanecer despertos, porque o “Filho do Homem”, está vindo, e só a atenção nos permite percebê-lo.

Numa leitura literal, esta “vinda” pode ser mal-entendida como algo que deve acontecer em um futuro mais ou menos próximo, e que comporta um juízo com o correspondente “prêmio” ou “castigo”. No entanto, o texto mateano nos oferece uma perspectiva mais ampla e atual.

Deus está vindo a todo instante, mas só quem está verdadeiramente desperto entrará em sintonia com essa presença e deixar-se-á inspirar por ela. Se não descobrirmos essa presença, nossa vida poderá transcorrer sem tomarmos consciência da maior riqueza que está ao nosso alcança. Deus não tem que vir em nenhum momento especial, nem vem de parte alguma, porque é a base e fundamento de nosso ser; e se Ele se separasse de nós um só instante, nosso ser voltaria ao nada. O que chamamos Deus está em nós como fundamento, mesmo que não descubramos sua presença. Mas, como ser humano, nossa mais alta possibilidade de plenitude consiste precisamente em descobrir e viver conscientemente essa realidade. Deus está presente em tudo, habita em todos os seres, mas só o ser humano pode ser consciente dessa presença.

É preciso recuperar a força do “hoje” de Deus para conosco, reconhecer o “tempo” de sua Vinda, em tempos de deslocamentos. Vislumbramos “algo” no horizonte e percebemos seus passos enquanto chega; e a história é o rumor desses passos. Caminhamos para Ele quanto mais nos adentramos no profundo de nós mesmos e da realidade.

Contemplando o “hoje” de Deus, o coração se alarga até o assombro, os braços se abrem para a acolhida, os pés se movem para o encontro, os olhos se aquecem para o reconhecimento.

Texto bíblico:  Mt 24,37-44 
Na oração: É preciso despertar e abrir bem os olhos.

Viver vigilantes para olhar mais além de nossos pequenos interesses e preocupações. O Evangelho nos convida a estar vigilantes. Estar desperto é a condição mínima para ativar nossa humanidade.
- O que você está vislumbrando no seu horizonte pessoal, social, espiritual, profissional, relacional...?
- Deus entra em sua agenda, em seu tempo? Quê sinais de sua presença você percebe no ritmo cotidiano de sua vida?

Pe. Adroaldo Palaoro sj


* * *