Total de visualizações de página

quinta-feira, 11 de maio de 2017

DEZ FRASES DE GEORGE WASHINGTON

George Washington:


"Minha mãe foi a mulher mais bela que jamais conheci. Todo o que sou, lho devo a minha mãe. Atribuo todos meus sucessos nesta vida ao ensino moral, intelectual e física que recebi dela".

"A liberdade é uma planta que cresce depressa, quando ganha raízes".

"Seja cortês com todos, mas íntimo de poucos, e deixe estes poucos serem bem testados antes que você dê a eles a sua confiança. A verdadeira amizade é uma planta de crescimento lento, e deve experimentar e resistir os choques da adversidade antes de ser receber o nome de amizade".

"Até onde você vai na vida depende de ser terno com os jovens, compadecido com os idosos, simpático com os esforçados e tolerante com os fracos e fortes. Porque em algum momento da vida você vai descobrir que já foi tudo isso".

"Pense antes de falar; não pronuncie com imperfeição, não transmita suas palavras precipitadamente, mas de forma clara e ordenada".

"Felicidade e responsabilidade  moral são inseparavelmente ligados".

"Perseverar no cumprimento de seu dever e guardar silêncio é a melhor resposta à calúnia".

"Trabalhe para manter viva em seu peito aquela pequena faísca de fogo celestial, chamada consciência".

"Se em algo empenha tua reputação, torça que teus colegas sejam pessoas distintas, pois vale mais estar só do que mal acompanhado".

"A disciplina é a alma de um exército; torna grandes os pequenos contingentes, proporciona êxito aos fracos, e estima todos".

----------
George Washington (1732-1799) foi o primeiro presidente dos Estados Unidos. Exerceu dois mandatos, permanecendo no cargo entre 1789 e 1798. Foi um dos mais respeitados estadistas dos Estados Unidos.

* * *

ITABUNA CENTENÁRIA: UM POEMA - CACASO - Madrigal para Cecília Meireles

Madrigal para Cecília Meireles




Quando na brisa dormias,
não teu leito, teu lugar,
eu indaguei-te, Cecília:
Que sabe o vento do mar?
Os anjos que enternecias
romperam liras ao mar.
Que sabem os anos, Cecília,
de tua rota lunar?
Muitas transas arredias,
um só extremo a chegar:
Teu nome sugere ilha,
teu canto: um longo mar.
Por onde as nuvens fundias
a face deixou de estar.
Vida tão curta, Cecília,
a barco tragando o mar.
Que céu escuro havia
há tanto por te espreitar?
Que alma se perderia
na noite de teu olhar?
Sabemos pouco, Cecília,
temos pouco a contar:
Tua doce ladainha,
a fria estrela polar
a tarde em funesta trilha,
a trilha por terminar
precipita a profecia:
Tão curta é a vida, Cecília,
tão longa a rota do mar.
Em te saber andorinha
cravei tua imagem no ar.
Estamos quites, Cecília,
Joguei a estátua no mar.
A face é mais sombria
quanto mais se ensimesmar:
Tão curta a vida, Cecília,
tão negra a rota do mar.
Que anjos e pedrarias
para erguer um altar?
Escuta o coral, Cecília:
O céu mandou te chamar.
Com tua doce ladainha
(vida curta, longo mar)
proclames a maravilha.

Rio, 1964.


Cacaso (Antônio Carlos Ferreira de Brito)
nasceu em Uberaba (MG), no dia 13 de março de 1944. Com grande talento para o desenho, já aos 12 anos ganhou página inteira de jornal por causa de suas caricaturas de políticos. Antes dos 20 anos veio a poesia, através de letras de sambas que colocava em músicas de amigos como Elton Medeiros e Maurício Tapajós. Seu primeiro livro, "A palavra cerzida", foi lançado em 1967. Seguiram-se "Grupo escolar" (1974), "Beijo na boca" (1975), "Segunda classe" (1975), "Na corda bamba" (1978) e "Mar de mineiro (1982). Seus livros não só o revelaram uma das mais combativas e criativas vozes daqueles anos de ditadura e desbunde, como ajudaram a dar visibilidade e respeitabilidade ao fenômeno da "poesia marginal", em que militavam, direta ou indiretamente, amigos como Francisco Alvim, Helena Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cezar, Charles, Chacal, Geraldinho Carneiro, Zuca Sardhan e outros. No campo da música, os amigos/parceiros se multiplicavam na mesma proporção: Edu Lobo, Tom Jobim, Sueli Costa, Cláudio Nucci, Novelli, Nelson Angelo, Joyce, Toninho Horta, Francis Hime, Sivuca, João Donato e muitos mais. Em 1985 veio a antologia publicada pela Editora Brasiliense, "Beijo na boca e outros poemas". Em 1987, no dia 27 de dezembro, o Cacaso é que foi embora. Um jornal escreveu: "Poesia rápida como a vida".


Em 2002 é lançado o livro "Lero-Lero", com suas obras completas.



O poema acima foi extraído do livro "Lero-lero", Viveiros de Castro Editora (7Letras) - Rio de Janeiro e Cosac & Naif - São Paulo, 2002, pág. 189.



* * *

POVO DA BOQUINHA NA BOCA DO POVO - Ana Maria Machado

Povo da boquinha na boca do povo


Há quase 18 anos o ex-governador Anthony Garotinho — que por sua experiência devia ser um expert no assunto — definiu o PT como o partido da boquinha, dizendo que eles já tinham uns 200 cargos em seu governo e ainda queriam mais. Não chegava a ser original. Era o que sempre se murmurou à boca pequena, mesmo antes que essas boquinhas tenham servido para que um prócer partidário, o então Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, reconhecesse no ano passado que, ao praticar o que sempre criticara, o partido se lambuzou.

A essa altura, desde o mensalão, isso já caíra na boca do povo. O petrolão só confirmou. Mas muitos seguidores ainda faziam boca de siri, preferindo não tomar conhecimento do óbvio.

Enquanto isso, a boquinha ia crescendo. Virando boca de caçapa, a engolir mundos e fundos. Sobretudo fundos. Mas a tática era negar e acusar os outros. Igualzinho ao sapo da velha piada que todo mundo ouviu na infância, mas não custa recordar.

Ia ter uma festa no céu . Foram contar ao sapo.

— Oba! — exclamou ele, arreganhando a bocarra.
— Vai ter muita comida, churrasco, doces.
— Oba! — e a boca se abriu ainda mais.
— Vai rolar tudo quanto é bebida, Muita birita mesmo.
— Oba! — exclamava ele, animado, cada vez escancarando mais a boca.
— Mas só vai quem tem boca pequena...
Como bom batráquio, imediatamente o sapo se adaptou, fez biquinho e disse com a boca bem apertada:
— Coitadinho do jacaré...

Para não ficar de fora da festança, trataram de se precaver. Como revelou o subitamente boquirroto Emílio Odebrecht em vídeo a que o país, boquiaberto, assistiu na semana passada, foi preciso reclamar com Lula. Mostrar que o pessoal dele estava com a goela muito aberta, passando de jacaré a crocodilo. Pedindo valores cada vez mais altos. Propina gerada pela grana dos nossos impostos, saída dos cofres públicos para as empreiteiras, sob a forma de superfaturamento, aditivos e demais malandragens e patifarias, antes de virar caixa dois e ir comprar apoios e vantagens no governo e no Congresso.

Agora todo mundo sabe. O pessoal apanhado com a boca na botija não teve outro jeito a não ser botar a boca no mundo. Caiu também na boca do povo, somando-se ao mensalão. Os bem-intencionados ou ingênuos começam a admitir autocríticas. Não dá mais para continuar na atitude do “Rouba mas faz para os pobres”. Nem do “Rouba mas divide comigo” ou do “Rouba porque é esperto, todo mundo rouba, se eu estivesse lá também roubava”, ao som do clássico do grande Geraldo Pereira : “ô, que samba bom / ô, que coisa louca/ eu também tô aí, tô aí, que que há?/ também tô nessa boca...”

Os tempos mudaram. A nova população carcerária mostra que já não dá para achar tão normal “O que dá de malandro regular, profissional/ Malandro com aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social/ Malandro com contrato, com gravata e capital /Que nunca se dá mal...”

Alguns patifes começam a se dar mal. O jeito que alguns encontram para aliviar as penas é botar a boca no trombone. E neste artigo com trilha sonora, não dá para garantir que os que ainda estão de fora vão conseguir por muito tempo seguir o modelo do malandro Moreira da Silva e transferir aos comparsas a tarefa de se explicar com a justiça: “Vou desguiando na carreira/ A justa já vem/ E vocês digam/ Que estou me aprontando/ Enquanto eu vou me desguiando/ Vocês vão ao distrito/ Ao delerusca se desculpando...” 

Mesmo mestres exímios em desguiar na carreira vão precisar dar alguma explicação mais convincente do que dizer que a vítima se suicidou. Ao menos, para tentar sobreviver, fingindo passar de jacaré a lagartixa, um bichinho tão útil para limitar a infestação de mosquitos que transmitem doenças...

Algumas pesquisas sugerem que não está mais dando para enganar tanta gente como antes. E sem enganar, nada se sustenta, porque toda essa força só se baseou mesmo é na enganação. Na mentira bem contada. O que não significa que muitos outros, de partidos variados, não se dedicassem às mesmas práticas — com maior ou menor requinte, há mais ou menos tempo, boca de calango ou camaleão. Ainda que sem mostrar a competência do que estamos descobrindo, na montagem de esquema tão azeitado para nos pilhar e para lascar com o futuro do país. Mas ninguém defende que se tenha bandido (ou político) de estimação.

O difícil vai ser ver com clareza quem ficou de fora da pilhagem e pode seguir em frente. Grandes celeiros de lideranças políticas — as universidades, o movimento estudantil e sindical — sofreram as distorções desse processo de mentira e corrupção. Rendidos, caíram de boca nas boquinhas. Mas existem nomes merecedores de esperança, entre uns poucos sobreviventes, boas revelações nas redes sociais ou entre ambientalistas e alternativos. Dá trabalho procurar. Mas é hora de sairmos de lanterna em punho atrás deles. Ano que vem tem eleição. Vamos precisar de gente decente. E competente, pelo amor de Deus.

O Globo, 29/04/2017


----------------

Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL, eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 2012 e 2013.

* * *

quarta-feira, 10 de maio de 2017

O CALANGO E O VIAJANTE por JULIANA VALENTIM

O Calango e o viajante

Uma fábula do cerrado para quem tem bom coração.


O viajante de bom coração leva consigo pouca bagagem. Sabe que cada vez que pisa em solo novo, sua alma se mistura à paisagem. Tornando-se uma coisa só, é muito mais fácil viver. Foi isso que aconteceu quando chegou ao cerrado. De repente, seus olhos viraram lua, seus pés viraram mato e o sangue de suas veias começou a cantar baixinho um canto de cachoeira com voz de passarinho.

O viajante logo percebeu que aquela terra era diferente. Ali, o mar virava céu e o céu virava mar. Era preciso estar atento para enxergar, mudar de perspectiva, virar de ponta cabeça.
Sem medo, resolveu experimentar. E viu suas pernas virarem árvores que, contorcidas, dançavam um balé suave. O viajante dançou a noite inteira. Quando a manhã chegou, cansado, adormeceu.

Acordou recebendo um beijo nos lábios de um bichinho que o olhava intrigado. Quem é você, perguntou? Sou o calango do cerrado, moro aqui, moro acolá, sou dono desse lugar. O viajante de bom coração faz amigos pelo caminho. Quando perceberam, os dois já estavam rindo, lembrando das histórias do Tamanduá. Um dia, ele também havia vivido por lá, mas quase extinto, levantou a bandeira e já não voltava para visitar. O mesmo aconteceu com o Lobo Guará. E coração do calango doeu de saudade.

Decidiram, então, sacudir a poeira. Haviam conversado a manhã inteira e já era hora de almoçar. O calango, animado, decidiu cozinhar. E em pouco tempo, um aroma diferente pairava no ar. O que é isso, perguntou o viajante? É pequi, vem provar! Só não pode morder, é melhor raspar. Almoço bom que é danado. Sobremesa, tem? Tem os frutos do cerrado, coisa melhor não há. Tem Baru, Cagaita, Araticum, Mama-Cadela para os males curar.

O viajante, que iria embora em poucos dias, resolveu ficar.
Estava apaixonado por aquelas terras, queria aproveitar.
Então, os meses se passaram. Aos poucos, a chuva foi cessando e o sol rachou de brilhar. Sem cair água do céu, viu o cerrado secar. Sendo ele e sua paisagem uma coisa só, a sede daquele chão na sua garganta dava um nó.

Viu o verde virar tinta e o fogo pintar de cinza o que a terra tinha a oferecer. O que estaria acontecendo? Viu tanto bicho correr. Pela primeira vez, o viajante teve medo de morrer.
Mas o cerrado, encantado, não desiste de surpreender.
Quando menos esperava e achou que a vida acabava, virou Ipê!

* Este conto participou do I Concurso Literário de Sustentabilidade do Cerrado Brasileiro.

JULIANA VALENTIM
Nós moramos mesmo é nas entrelinhas, no silêncio dos intervalos. Somos feitos de uma voz que grita e uma voz que cala. Como música! A magia não está no que se ouve, mas no exato instante da pausa



http://obviousmag.org/o_segredo_da_pausa/2017/04/o-calango-e-o-viajante.html


* * *

EDUARDO PORTELLA - Carlos Heitor Cony.

Eduardo Portella


"Não sou ministro. Estou ministro." A frase, pronunciada pelo então ministro da Educação, em sua simplicidade radical, ficou sendo uma das melhores expressões do velhíssimo problema que tenta definir a relação do intelectual com o poder. Pronunciou-a em causa própria Eduardo Portella, que aceitara o cargo num momento em que o fim da ditadura e a abertura política eram consideradas iminentes.

O tema (cultura e poder) frequenta sua obra de ensaísta e crítico de literatura. Um de seus livros, publicado pela Tempo Brasileiro, editora de sucesso que fundou, tem o título de "O Intelectual e o Poder".

Nele, o ensaio "O Renascimento da Utopia" desenvolve magistralmente aquela frase pronunciada num momento de sua biografia: "E daí também a necessidade de o intelectual guardar, como arma não tão secreta, o trunfo da insubmissão. A alternativa da insubordinação deve recuperar o ser do estar. Até porque nós só temos o que podemos perder, o que não podemos perder nos tem".

Baiano, formado em Recife, onde conviveu com Gilberto Freyre, Portella fez estudos na Espanha, quando foi aluno de Dámaso Alonso e Carlos Bousoño. Mais tarde, na Itália, onde recebeu aulas de Ungaretti e de Bataillon, no Collège de France e na Sorbonne, tornando-se, assim, o crítico mais bem equipado de sua geração. Portella construiu sólida reputação não apenas na crítica da literatura, mas nos assuntos brasileiros em geral.

A série que escreveu, "Dimensões", é um dos momentos mais nobres e fecundos de nossa história literária.

Sua morte nesta semana desfalcou a nossa cultura, a Academia Brasileira de Letras, e eu perdi um amigo que muito me ensinou e que nunca esquecerei.

Foi um "gentleman" em todos os sentidos e honrou o nosso tempo com o seu exemplo e o legado que nos deixou.

 Folha de São Paulo (RJ), 07/05/2017


--------- 


Carlos Heitor Cony - Quinto ocupante da Cadeira nº 3 da ABL, eleito em 23 de março de 2000, na sucessão de Herberto Sales e recebido em 31 de maio de 2000 pelo acadêmico Arnaldo Niskier.

* * *

MIRIQUI - Helena Borborema

Miriqui


           Já se passaram muitos anos. Felizmente, nenhum trauma ficou do acontecido, apenas a lembrança. Hoje acho graça quando falo sobre o episódio, mas na ocasião foi um verdadeiro drama na minha vida de criança. Tinha eu uns seis anos de idade e, não sei por que circunstâncias era bastante voluntariosa, querendo sempre ser atendida nos meus desejos. Quando contrariada, armava verdadeiras cenas. Se estivesse na rua, sentava na soleira da primeira porta que encontrasse e teimava em não continuar a caminhada. Só saía, debaixo de muito agrado. Quando resolvia não calçar os sapatos, era  preciso muita persuasão e adulação, para conseguirem que eu atendesse. Para tomar óleo de rícino, quando achavam que era preciso, o que era o meu pavor, aí então eu fazia verdadeiro escândalo, correndo em cima da cama, recusando todas as promessas e presentes.

          Mas havia uma empregada que cuidava de mim, naquele tempo chamada ‘ama de menino’ em vez de ‘babá’, e esta astuciou um meio de acabar com as minhas teimosias. Contou-me a história de um preto velho chamado Miriqui, que andava pelas ruas com um cacete nas mãos e um enorme saco de couro às costas, cheio de meninos teimosos que ele ia pegando. “E o que era feito com esses meninos?, perguntei eu, muito interessada. Eram levados para o sertão e nunca mais viam nem o pai nem a mãe. Miriqui batia nos meninos com o cacete e mandava que eles cantassem: “canta, canta, meu surrão, se não te dou com o meu bordão”. “E ele pagava gente grande?”, perguntei medrosa, pensando em meus pais. “Às vezes, quando encontrava”, respondeu a narradora, muito séria. É evidente que esta história me apavorou. Logo visualizei a figura horrível de Miriqui, velho, magro, de barbicha, com o cacete na mão e o saco para esconder os meninos. E o sertão, o que era? Era um lugar longe, muito longe, todo cinzento, sem casas, uma espécie de túnel por onde Miriqui passava com o enorme saco, andando, andando, e os meninos chorando, sem nunca mais voltar para casa, explicou-me a ama.
  
          A pedagogia da minha ama Antonia era a do terror e surtiu certo efeito. Mas talvez, devido ao bem querer de que eu era cercada, logo esquecia a terrível história e, quando recomeçava uma das minhas cenas, a ameaça me alertava: ”Vou chamar Miriqui!”. A teimosia acabava de imediato.

           Um dia, à tardinha, estava bem tranquila, brincando com minhas bonecas num canto da sala. Era a hora de meu pai voltar para casa. De repente ouvi um vozerio na rua, bem perto, palavras alteradas. Trepei numa cadeira e fui espiar da janela. Alguns curiosos se dirigiam para a esquina próxima, quando, acompanhando com atenção a movimentação do grupo, dei de olhos com uma cena terrível: um velho alto e magro, negro, de barba comprida, com um saco nas costas e um cacete na mão, esbravejava e rodopiava sobre o passeio. Não sabia eu que o velho era um bêbado contando bravatas. Diante de tal figura, só podia pensar em Miriqui. Sim. Era ele verdadeiro. O que aquele espetáculo produziu no meu espírito naquele momento de pavor, podia ter deixado marcas no meu sistema nervoso. Estava vendo o Miriqui em carne e osso. Lembrei-me que o meu pai ia chegar e, sem nada saber, ia passar perto de Miriqui, que logo o pegaria, jogaria no saco e o levaria para o sertão, de onde não mais voltaria. Miriqui ia pegar meu pai! A imagem que formei foi de terror. Entrei em crise de choro e gritos de desespero tão forte, que não sei como esse abalo emocional não me deixou marcas para o resto da vida.

         Talvez a presteza com que minha mãe me abraçou e as suas palavras de segurança me protegeram. Na mesma hora, meu pai foi chegando, trazendo paz ao meu espírito de criança. Esse episódio foi tão traumático que nunca se apagou da minha memória. Ainda hoje revejo claramente a minha figura pequena da janela olhando a cena, com o coração aos pulos e os meus gritos de terror. Felizmente, a infância cercada de amor e a afetividade e segurança em que vivi, fizeram com que a pedagogia maluca da minha bem intencionada ama perdesse o seu efeito. Fizeram-me compreender que o terrível Miriqui não existia e a sua lembrança, hoje, só me faz achar engraçado o episódio quando penso nas meninas bobas do meu tempo, pois aquele Miriqui que aterrorizou  não só a mim como a outras crianças do passado, não creio que hoje merecesse nenhuma credibilidade ou temor da meninada, tão acostumado está o mundo com o contato diário e normal com os seres terríveis e perigosos dos filmes com que a TV nos presenteia diariamente. A figura de um Miriqui para qualquer criança, hoje, seria completamente ridícula e desacreditada.

           Mas, se um imaginário Miriqui foi arquitetado na minha infância para meter medo a crianças teimosas, hoje, infelizmente, o mundo está cheio de Miriquis reais que foram nascendo com a maldade humana, os desajustes sociais, o desemprego, a ausência de Deus nos corações, os péssimos programas  e enredos da TV e do cinema, verdadeiras fábricas de Miriquis. Dia a dia estão sendo clonados pela impunidade, e aí estão eles, espalhados nas cidades, nas ruas, nos ônibus, nas casas, estradas, encontrados a cada instante e por todos os lados, fazendo vítimas. O Miriqui da minha infância, que me atemorizava, nunca existiu, a não ser na minha mente infantil, produto de histórias inventadas, mas os de hoje são perigosos porque reais. O surrão que carregam está repleto de drogas, maldades, e saem eles por ai à cata, não de crianças teimosas,  mas de qualquer pessoa que se enquadre na sua mira, jovens, pais de família, todos aqueles de quem possam tirar proveito ou dar expansão aos seus instintos cruéis. Em lugar do bordão, carregam revólveres e metralhadoras. Com sua maldade, vão deferindo golpes mortais no corpo, no patrimônio dos que vão encontrando pelo caminho. E de maldade em maldade, de crime em crime, lá se vão eles medonhos, amedrontando, trilhando os túneis cinzentos da vida.

 (“RETALHOS”)
Helena Borborema



HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município.

* * *

TABOCAS – ITABUNA - Nataniel Ruben Ribeiro Gonçalves

Clique sobre a foto, para vê-la no tamanho original
Tabocas – Itabuna


Foi aos mil e oitocentos e quarenta e nove...
................................................................................................

Alma de pioneiro altivo que remove
Aquilo que se opõe à sua caminhada
FÉLIX DO AMOR DIVINO, aventureiro e forte,
Partira de Sergipe aventurando a sorte
E agora está feliz!... Prossegue na jornada!

Já não lhe basta agora a roça MARIMBETA
Chegaram seus irmãos... e então projeta:
MANOEL CONSTANTINO, avante, outra fazenda!...
Vamos abrir lugar, seja onde for; preciso!...
Transformar esta mata em nosso paraíso...
E o crioulo escutou... sonhando a grande prenda!...

Seu amo era tão bom... jamais o desprezara...
Pensava... e de repente... assim, a ideia clara...
Partiu a procurar um local diferente...
Depois de muito andar... parou... quase um encantado
Estava bem defronte o lugar desejado...
Lado esquerdo do rio... estava à sua frente!...

A mata vai gemendo... e a terra se estremece...
E o matagal cortado em fúria, desfalece...
MANOEL CONSTANTINO é um ciclone humano,
Mas, um jequitibá exsurge inesperado...
Vetusto e gigantesco e não deteriorado...
Constantino prevê então trabalho insano...

São contratados, logo, uns fortes machadeiros...
E os dois irão cortar com golpes ligeiros,
Postados face a face, ao redor do gigante!...
Aquele que o machado entrar como uma broca,
Cortando mais veloz, então dará taboca
Por derribar primeiro o tronco agonizante!

Um grupo torcedor espera o resultado...
No silêncio da espera escuta-se o machado
E o arvoredo a gemer, ao golpe que lhe toca...
Num lance mais veloz – um MACHADEIRO o corta!
Treme JEQUITIBÁ... e cai... árvore morta!...
E a turma brada e aplaude... a lhe gritar TABOCA!

Aberta estava a mata agora ao CONSTANTINO...
É o mundo que sonha FELIX DO AMOR DIVINO...
Um novo povoado exsurge florescente!...
Mas... há um coração que quer dias melhores,
Que quer civilidade e músicas e flores,
Que sonha desta selva – a cidade nascente!

TABOCAS – gozarás feliz prosperidade!
Hás de crescer... enfim...serás uma cidade!
Não é que teu ditoso encanto te ressalves;
Mas é que existe ALGUÉM que sonha engrandecer-te
Que ao concerto da vida espera enobrecer-te,
É o grande lutador – José Firmino Alves!...

E os sonhos de Firmino Alves, como os de seu tio,
Os óbices vencendo, avançam como um rio...
Eis vibra de alegria a gente Grapiúna...
Surge Olinto Leone o primeiro Intendente...
Libertou-se o arraial...é Vila... Independente!

ITABUNA! ITABUNA!... Eis o passo seguinte!...
Novecentos e dez... Eis o século vinte!...
Eis VINTE E OITO DE JULHO – o teu dia sublime...
Afinal és CIDADE em toda fulgurância...
A Bahia se ufana em fidalga elegância,
Que ao Brasil teu cacau a lavoura redime!...

***
Itabuna, fevereiro de 1960
Nataniel Ruben Ribeiro Gonçalves

(Ensaios Históricos de Itabuna, O JEQUITIBÁ DA TABOCA – 1ª Edição 1960)
Manoel Bomfim Fogueira e Oscar Ribeiro Gonçalves.

* * *